Espinhas
Por Fernando Lima
Agora que se anuncia como iminente que o filho do antigo chefe poderá sentar o seu rotundo traseiro no banco dos réus, é a filha no novo timoneiro que anda nas bocas do mundo por razões pouco simpáticas.
O pai, dizem, fez um bom controle de danos, tomou medidas enérgicas, mas o mal já estava feito. Há uns anos, também um polícia, cujo nome nem sequer me lembro, ia pondo em causa a cooperação com a Espanha, porque confundiu a Julius Nyerere com uma alegre "cowboyada".
O último incidente, e aparentemente a visada nem sequer está directamente envolvida, levanta um problema que é recorrente no continente que penosamente vem ultrapassando as heranças do partido único, dos déspotas e dos presidentes de caserna.
Não parece ser um problema de ADN os comportamentos dos rebentos de chefes, a sua desmesurada ambição e os abusos cometidos quotidianamente. Em Angola, os desmandos do filho do primeiro-ministro fazem as delícias da imprensa independente. Como há anos, quando ainda não havia liberdade de imprensa, a rádio boca reportava as proezas do filho de Kenneth Kaunda na Zâmbia. Para não falar das interrogações sobre as milionárias participações financeiras da filha de José Eduardo dos Santos.
Apesar de vivermos em repúblicas, onde direitos e garantias dos cidadãos estão inscritas na Constituição, muitos dos "irrequietos" parecem sonhar com o reino de Mswati III, um dos mais retrógados regimes do continente.
E apesar de não haver o tal ADN especial que os faz agir de forma tão extravagante e abusadora, a imagética de poder com que são confrontados desde o berço, leva-os de facto a acreditar que há uma classe de eleitos que nascerem para dirigir. E claro, há outros que estão obrigatoriamente destinados a sempre obedecer.
Nos regimes republicanos, as mordomias dos cargos públicos são devidas aos titulares eleitos por sufrágio democrático ou aos nomeados por critérios estabelecidos em forma de lei. É questionável, por exemplo, se o título de "primeira dama" deve ultrapassar o formalismo protocolar para se transformar
em cargo institucional.
Mas estávamos nas mordomias e aí é vulgo, por exemplo, distribuírem-se passaportes diplomáticos para tudo quanto é família de chefe. Se passaporte vermelho dá estatuto de sala "vip" para entradas e saídas do país, o expediente acaba por fazer o ladrão. Estes pequenos "abre-te sésamo" dão lugar às mais mirabolantes estórias que tranformam Ali Babá e os seus 40 comparsas em vulgares pilha galinhas. E o que começou na facilidade do computador e no sistema estéreo pode ser um organizado tráfico de
contentores e camiões-cavalo.
E como o exemplo habitualmente vem de cima, porque será que a corte não aproveita também ? Ministro uma vez, ministro para sempre. Vá de renovar o passaporte "abre-te sésamo", vá de manter salários e honorários à espera de "novas ordens". Na nossa república há mesmo o recorde de um desses titulares de cargo público que passou de um mandato para outro "à espera de colocação".
É por isso, que quando fazem os regulamentos e regimentos das leis para novas instituições lá pelo parlamento, há sempre duas alíneas fundamentais: o passaporte diplomático e o acesso a sala vip no aeroporto, para além das sub-alíneas, mais sub-reptícias com carros com isenção de impostos, etc.
É por isso que, com todos estes maus exemplos, estas rotinas de poder, de vez em quando há tiros à solta no burgo.
Para cumprir orientações.
SAVANA - 07.07.2006