Mais de quatro mil habitantes das colinas da Serra da Gorongosa, na província de Sofala, recusam-se a abandonar as suas áreas para dar lugar a um projecto de restauração das encontas e estabelecimento de uma estância turística.
Por três vezes consecutivas houve consultas às comunidades pelas autoridades. A população recusou-se a ceder as áreas alegando que elas constituem a sua fortuna.
Numa recente visita do governador Alberto Vaquina àquele distrito, os habitantes deixaram claro que nunca entregariam as suas terras a investidores, alegando que as mesmas fazem parte da sua vida e história.
A «Fundação Carr», é uma organização internacional envolvida na reabilitação do Parque Nacional da Gorongosa (PNG). Teá manifestado ao executivo de Sofala a sua intenção de incluir a Serra da Gorongosa no seu plano turístico como forma de proteger o ecossistema envolvente do Parque Nacional com o mesmo nome.
A população desde há anos abateu árvores e provocou queimadas descontroladas na encosta da serra. O projecto da fundação é contribuir para que isso deixe de constituir prática. De acordo com alegações a Fundação quer que governo convença a população a transferir-se para 800 metros abaixo, para zonas em que suscitem menos erosão.
Ponessi Mulimi, um dos camponês que vive no cume da Serra da gorongosa, levantou-se num comício orientado pelo governador de Sofala, Alberto Vaquina, para manifestar o seu desagrado pelo facto do governo permitir que “os estrangeiros venham tentar mandar aqui”.
“Houve uma consulta comunitária por três vezes e nós negamos. Porquê é que continuam a insistir no mesmo assunto?", questionou ao governador Vaquina.
Mulimi acusou na ocasião o régulo Kanda e seus seguidores de terem sido comprados pelos estrangeiros para lhes venderem as terras da população.
Terras “a troco de vinho”
“O régulo e alguns jornalistas moçambicanos, a troco de vinho, querem vender as nossas terras. Eles vieram aqui e beberam vinho. Depois foram sobrevoar as montanhas”, acusa Mulimi.
Entretanto, o régulo Kanda acabou por esclarecer que o vinho que tomara não era sinónimo de ter sido comprado.
A sede dos espíritos…
“Simplesmente eu estava a pedir aos espíritos para que os investidores pudessem visitar a área. É isso que nós fazemos quando pessoas provenientes de longe querem visitar as nossas terras”, explicou o régulo no comício.
Kanda considerou “difamação” as palavras que o representante dos habitantes das montanhas acabava de proferir.
“Eu me considero caluniado porque nunca decidi algo sem que a população esteja de acordo. Quem sou eu para decidir vender ou entregar as terras, passando acima de todos os que estão aqui? Prefiro que seja Deus a proferir uma sentença contra este senhor caluniador”, acrescenta o régulo.
Horas antes de se reunir com a população, o régulo Kanda levou o governador para cima da montanha onde foram visitar as cascatas de Gorongosa. Ao longo da caminhada, aquele líder comunitário disse ao governador para que o seu executivo tomasse conta das riquezas naturais existentes.
Vaquina respondeu evasivamente: “O Estado está paulatinamente deixando de tomar a gestão de empresas ou coisas similares, estando o seu papel a limitar-se ao papel de fiscalizador”.
Vaquina entra em cena
No comício, o governador na sua tarefa de convencer a população a abandonar as áreas na encosta da serra foi dizendo que o governo tomava a sua acção a pensar no futuro da população, pois lá em cima das montanhas não há escolas, nem hospitais.
Outra questão que disse estar a preocupar o governo é a destruição progressiva dos recursos naturais existentes.
“Esta serra toda é muito importante para o ecossistema. Com a destruição que está a ocorrer, nós poderemos qualquer dia ficar sem água. É que se aqui chove é devido as árvores que aqui termos”, disse Vaquina.
“Se a população descer a vida das pessoas continuará garantida durante muitos a muitos anos”.
O governador recordaria que o Monte Tumbini, na Zambézia, ruiu por falta de entendimento entre as pessoas e por destruição progressiva da vegetação nas suas encostas.
“Não queremos que nas nossa serra aqui em Gorongosa aconteça o mesmo que no monte Tumbini”, disse.
Alguns populares que falaram ao «Canal de Moçambique» disseram que apesar de considerarem que o discurso do governador foi bom, nunca iriam entregar as suas terras.
Para aquela população a sua retirada equivale à sua “morte” porque, diz um, “aqui produzimos todo o tipo de cereais em qualquer altura do ano; temos água e tudo mais, aqui e, até os nossos antepassados repousam nestas terras”, disse um dos participantes no comício orientado pelo governador de Sofala.
Administrador segue tom do governador
João Oliveira, administrador de Gorongosa esclareceu que a população não está sendo corrida, mas apenas se está a mostrar o melhor caminho a seguir. Falou da destruição do ecossistema pela população.
“Porque as espécies que estão no Parque da Gorongosa sobrevivem com os recursos hídricos provenientes desta serra, nota-se que muitas espécies animais estão sendo ameaçadas por causa das destruições do ecossistema”.
Oliveira diz entretanto que condições existentes no cume das montanhas já se encontram, também, em baixo, com tendência a piorar se nada for feito.
(T.L.) - CANAL DE MOÇAMBIQUE - 22.08.2006