JUSTIÇA EM MOÇAMBIQUE
- A distância entre as belas intenções e a realidade
O processo de revisão do Processo Civil aprovado pela Lei 1/2005 vai reduzir os labirintos da legislação herdada do colonialismo, disse o presidente do Tribunal Supremo. Alguns dos principais enfoques da referida revisão são a redução das formas do processo de execução e a eliminação dos recursos que só servem para dilatar os processos. Assim, nos termos da nova legislação, bastará que um recurso se mostre infundado para ser imediatamente rejeitado pelo Tribunal e aplicada a correspondente multa por má-fé.
Maputo, Sábado, 26 de Agosto de 2006:: Notícias
"Por vezes o juiz não consegue garantir uma justiça material ao cidadão que dele carece, devido a todas as dificuldades que se interpõem no processo, e que esperamos sejam reduzidas com a revisão em curso. No entanto, é preciso assumir que a revisão ainda não é um produto final, pois ainda não foi quebrada a espinha dorsal do esquema herdado do colonialismo", disse Mangaze. Mateus Mondlane, estudante, interveio na abertura do debate para questionar, entre outros pontos, sobre o tempo que os moçambicanos terão que esperar mais até que a propalada revisão produza os efeitos desejados em termos de melhorias no sistema de administração da justiça. A esta questão, Mangaze explicou que como qualquer processo do género, não se pode esperar que os resultados sejam imediatos, querendo chamar à atenção para o facto de que muito mais trabalho terá de ser feito até que se atinjam os níveis de perfeição perseguidos. Maria Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, denunciou um alegado desfazamento entre o discurso político e as acções postas em prática no terreno. Outra vez, foi questionado ao presidente do TS se com a revisão do Código do Processo Civil os moçambicanos podem começar a esperar por uma justiça célere, "sabendo-se da doença dos juízes que lidam com os processos?". Segundo Alice Mabota, a profissão de juiz e de advogado precisam, tal como a do médico, de paciência e vocação. Na sua opinião, a selecção de quadros para a Magistratura não está a ser feita tendo este raciocínio em mente, razão por que, segundo ela, acontecem casos de juízes que se envolvem em esquemas que prejudicam todo o sistema judicial e conduzem à derrogação da justiça. Na sua opinião, já é tempo de se acelerar a quantificação e qualificação dos magistrados para trabalharem na área de fiscalização, sector que, na sua opinião, pode ajudar a reduzir para o mínimo os casos de atropelos cometidos por alguns agentes do sistema. A estas questões, o presidente do "Supremo" reconheceu que, na verdade, entre as belas intenções e a realidade, vai uma distância muito grande. Exemplo disso é, segundo Mangaze, o facto de se ter criado a Lei que cria os Tribunais de Trabalho quando não tinham sido criadas, ainda, as necessárias condições para a sua instalação. "Devíamos ter pensado num outro modelo e não exactamente neste que escolhemos...", reconheceu Mangaze. Relativamente à qualidade dos magistrados que o sistema tem Mário Mangaze confirmou que há queixas e reclamações sobre a actuação de alguns quadros, alguns dos quais acabam sendo nomeados mesmo pesando sobre si suspeitas de má conduta, tudo porque na verdade eles foram aprovados nos cursos do CFJJ, e não se tem em mão elementos de prova que possam sustentar a sua rejeição. "Ainda não temos mecanismos para assegurar que só é juiz quem de facto tem vocação, mas temos que ter e estamos a caminhar para isso...", disse. O deputado Mateus Kathupa desafiou os presentes em geral e os gestores do sistema, em particular, a estudarem com profundidade o direito consuetudinário para ver como o aliar ao direito ocidental. Segundo dados avançados na ocasião, entre 70 e 80 porcento dos moçambicanos são governados pelo direito consuetudinário. No seu comentário a este posicionamento, Mário Mangaze questionou se os moçambicanos têm mesmo que continuar presos, escrupulosamente, à declaração universal dos direitos humanos que nalguns casos até lhes inibe de fazer coisas tão deles como, por exemplo, os casamentos poligâmicos, aceites nalgumas religiões.
DEDO NA FERIDA
Maputo, Sábado, 26 de Agosto de 2006:: Notícias
Augusto Carvalho, jornalista e docente no ISPU, procurou colocar o dedo na ferida questionando a razão por que os processos de recurso que sobem ao "Supremo" demoram tanto tempo a ser solucionados quanto acontece nos tribunais de primeira instância. Sobre isto, Mangaze disse que todos os países que operam nas condições idênticas às de Moçambique, ocorre o mesmo tipo de problemas. Segundo ele, é humanamente impossível responder à tantos pedidos de intervenção com as condições humanas e materiais de que o "Supremo" actualmente dispõe. "É verdade que temos problemas de atitude e de gestão processual...", reconheceu Mangaze.