Bela página de História.
Carta a Carlos Mário Alexandrino da Silva*
Meu caro Carlos Mário:
de: Fernando Cruz Gomes / Toronto
Persistente e conhecedor, acaba de arrancar do seu baú de recordações uma bela página de História (no melhor sentido do termo). E mesmo que, aqui e além, dê a sua interpretação, emita a sua opinião, a verdade é que são factos que o fazem partir para divagações que, repito, não deixam de ser históricas.
E se é verdade que, num ou noutro caso, poderei não estar de acordo com a opinião do Dr. Carlos Mário - e mesmo aí em algumas poucas “nuances” - a verdade é que perpassaram por mim, na minha vida de Jornalista (e, vamos lá, de Vogal da Assembleia Legislativa de Angola) pessoas e factos que me levam a dizer que Marcello Caetano teve, de facto, a ideia de “resolver” o problema do chamado Ultramar. E a resolução era bem capaz, na altura, de evitar muitos e muitos problemas que ainda hoje subsistem.
Esta noção - sem nomes nem números que não gosto de citar de cor - começou a surgir-me, sobretudo, numa viagem que fiz ao Brasil, como enviado da Emissora Oficial de Angola, de que, na altura, era locutor principal. Acompanhava eu o então Presidente do Conselho de Ministros de Portugal na sua deslocação ao Brasil. Estávamos em 1969 (salvo erro). A viagem fazia-se de noite. Como nunca consegui dormir no avião - a despeito das mais de mil horas de voo que tenho na bagagem - fui passeando pelos corredores. Pelos vistos, Marcelo Caetano também não dormia. A determinado momento, encontrámo-nos e, com grande surpresa minha - menino e moço que eu era - dei comigo a dialogar com o “todo poderoso” estadista.
Mesmo sem nunca me ter falado, abertamente, nessa hipótese, fiquei com a ideia de que, de facto, Marcello Caetano estava a “puxar” por uma solução que acabaria por desembocar numa espécie de “grito do Ipiranga” em Angola e Moçambique, consentido por indefectíveis seus - para o caso, Santos e Castro e Arantes e Oliveira - como “trampolim” para se resolverem toda uma série de problemas existentes.
Será que Marcello Caetano me deu a entender isso? Será que foi eu que “puxei” e tirei as minhas próprias ilacções? Será que eu acabei por fazer vir ao de cima, na minha mente, o que eu gostaria que acontecesse? - Não sei e nem cuidei de saber. Tanto que só hoje falo no assunto, a despeito de ter tido durante todos estes tempos, orgãos de Informação à minha disposição.
Marcello Caetano tinha, de facto, um “Plano B” para Portugal. Marcello Caetano tinha um “Plano B” para Angola e Moçambique que entroncava raízes naquela.
Ele sabia que os “ultras” do anterior regime não o deixavam modernizar e democratizar o País. E não desconhecia que a Europa só aceitava Portugal, desde que a descolonização fosse feita, coisa de que nenhum dos tais “ultras” aceitava.
Teria sido aí que M.C. gizou a ideia de enviar dois dos seus melhores homens de Governo para Angola e Moçambique. Quando chegasse a altura, eles haveriam de actuar. De resto, quem acompanhar a forma heróica e “desinibida” como Santos e Castro se despediu, em Angola, quando regressou (de barco), entende que... faltou alguma coisa para fazer.
O “Plano B” de Marcello foi falhando um pouco por sua culpa - chegou tarde ao Poder - e um pouco pela força que os “ultras” ainda tinha. Quis acabar com a PIDE... só lhe deixaram mudar o nome. Quis abrir aos Partidos Políticos... só lhe deixaram fazer um arremedo de eleições com os chamados oposicionistas de um lado e os do governo do outro. Antes de avançar, gostava de lhe lembrar que os escrúpulos - ou as “habilidades”, se quiser... - de quem mandava fizeram com que quer os comícios da Oposição, quer os da Acção Nacional Popular, fossem feitos pelos mesmos repórteres “estatais”. Por Angola, para a EO, eu próprio. Por Lisboa, para a EN, o Mario Meunier... que morreu, não há muito, nos Estados Unidos.
No caso do Ultramar... tudo se precipitou, já que um grupo de patriotas angolanos - em que estaria metido, designadamente, o Iko Carreira - não teve força para “vender a ideia” aos outros elementos do MPLA. É que esse grupo tinha estado, em Fevereiro de 1974, em Lisboa, com Marcello Caetano, a pedirem-lhe para voltar a Angola, que estava - diziam - imparável no seu progresso. Ter-se-ia concertado, ali, uma “táctica” a usar para o tal “grito de Ipiranga”? Acredito-o piamente. Só que a “mensagem” quando chegou aos “cabeças” do MPLA... não fez o necessário “ricochete” para os dirigentes militares portugueses filo-comunistas. E se o fez... estes não aceitaram. Pudera!
Há, no meio disto tudo, uma certeza. Se eu tivesse tempo e dinheiro, ainda hoje sei onde estão e quem mos pode facultar documentos para “justificar” a minha ideia...
Muito mais eu poderia dizer-lhe. Só que isto - talvez de “ingénuo” fazedor de peças históricas - foi a minha ideia. A que hei-de voltar, se quiser. Um abraço,
Fernando Cruz Gomes
101 Tecumseth St. Toronto, Ont. M6J 3R5
Veja sobre a matéria:
http://macua.blogs.com/25_de_abril_o_antes_e_o_a/2005/05/marcello_admiti.html
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2005/05/o_plano_caetani.html
* Já falecido no Brasil