Polícias matam polícias e civis. População vive num crescente clima de medo
A história do fuzilamento em hasta pública de três agentes da Força de Intervenção Rápida e de um negociante de viaturas, por colegas seus pertencentes à Policia da República de Moçambique (PRM), está a revoltar a sociedade civil moçambicana e a revelar-se um caso cabeludo para o Governo da primeira-ministra Luísa Digo e a deixar na corda-bamba a fama de cidade tranquila de que a antiga Lourenço Marques já gozou, usou e… abusou. Hoje os cidadãos contribuintes, eleitores e consumidores (?) desta cidade banhada pelo Oceano Índico descobriram que, afinal, têm, e pagam dos seus próprios bolsos, uma polícia bandida para garantir a (in)segurança e (in)tranquilidades públicas. Todo o cuidado nas ruas de Maputo é pouco. Ou seja, era uma vez a tranquilidade que se vivia nestas paragens.
Por Jorge Eurico
Enviado especial a Maputo
Agentes da Policia da República de Moçambique (PRM) executaram (ao arrepio do Direito à vida estabelecido na Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH) e que tem acolhimento no ordenamento jurídico do Estado que tem à testa Armando Guebuza) extra-judicialmente, na cidade Matola-rio, dois colegas seus da Força de Intervenção Rápida (FIR), nomeadamente, Egídio Chilaule, Francisco Osvaldo e um cidadão civil identificado apenas por Timóteo, por suspeita de terem estado envolvidos num assalto às instalações do Novo Banco, às bombas de gasolina e a uma empresa local denominada Soradi, firma de manutenção de cabos eléctricos na Mozal.
Para execução dos dois agentes da FIR e do cidadão Timóteo, a comando da PRM de Maputo alega ter obtido de informações indubitáveis de que os três indivíduos se preparavam para assaltar o Novo Banco, as bombas de gasolina da Matola-rio e a Soradi, investida, entretanto, que, de acordo com testemunhas
oculares contactadas no local onde ocorreu o assassínio, nunca chegou a ter lugar e jamais, até ao presente momento, chegou a ser confirmada pelas instituições que, segundo a PRM, teriam sido alvos dos referidos ataques.
Tudo começou quando Timóteo, negociante de viaturas, residente na Suazilândia, se dirigiu à Direcção de Informação Operativa (DIO) do comando da PRM, em Maputo, a solicitar uma escolta policial, como era habitual, para transportar o dinheiro de mais um negócio bem sucedido até Namaacha. A ideia era seguir, depois, com destino ao país vizinho aonde residia.
No comando os agentes da PRM quiseram cobrar a Timóteo mais dinheiro do que o habitual, o que foi recusado. Daí ter solicitado, na condição de amigo, o concurso de Egídio Chilaule e de Francisco Osvaldo, agentes da FIR.
Apercebendo-se disso, os agentes da PRM, a quem Timóteo havia solicitado os seus préstimos, terão montado uma emboscada que levou à sua morte e à dos doisagentes da FIR.
Para os agentes da PRM foi tudo fácil por que estavam a par da hora e do local aonde habitualmente Timóteo abastecia a viatura quando se dirigia a Suazilândia.
Depois de os três se terem feito à estrada, os agentes da PRM, à paisana, seguiram-nos fazendo-se transportar numa viatura de marca Mitsubishi Colt.
Quando Egídio Chilaulu, Francisco Osvaldo e Timóteo se encontravam parados a abastecer o carro na bomba de gasolina da Matola-Rio dispararam, sem que nenhum deles pudesse reagir, tendo deixado no local do crime uma Ak47 e levado consigo o dinheiro de Timóteo e os telemóveis dos dois agentes da FIR que se encontrava na viatura.
Assim, nas primeiras horas da manhã do dia 5 de Setembro foi cortado de forma fria e bárbara o fio da vida de três jovens que nem sequer tinham atingido a flor da idade.
Acto contínuo, os homens que não hesitaram em premir o gatilho para tirar a vida dos seus colegas (des)informaram o comando da PRM de que os seus colegas da FIR estavam mancomunados com o crime, informação que induziu erradamente o ministro do Interior, João Pacheco, a caucionar publicamente a ideia de que os agentes mortos pelos colegas eram delinquentes.
Descoberta a verdade, João Pacheco decidiu, sem dar a mão à palmatória, pôr cobro à mentira e chamar à pedra os responsáveis pelo acto, exonerando os comandantes-gerais, provinciais, distritais e a nomear seguidamente 22 novos oficiais para ocuparem os referidos cargos. Consta que quem não poderá escapar à vassourada de Pacheco é o comandante da temida FIR, José Weng San.
Policia assassina
A execução extra-judicial dois agentes da FIR e de Timóteo atravessou de forma transversal os principais jornais editados na última semana na cidade de Maputo.
Por exemplo, Machado da Graça, jornalista ao serviço do semanário Savana, escreve, a propósito desta caso, que “as ruas da cidade de Maputo passaram a ser cenários de tiroteios entre gangs oposto que descarregam, sem piedade, carregadores de AK 47 para cima dos seus adversários. (…) No meio de tudo isto assistimos ao ministro do Interior a vir à televisão apresentar versões diferentes e, aparentemente, sem que nenhuma delas corresponda à verdade. E, mais uma vez, sentimos as autoridades do nosso país a tentarem dar cobertura a eventuais criminosos e assassinos.”
O jornalista Jeremias Langa vai mais longe ao dizer (escrever) no semanário O País que “o ministro do Interior deu um perigoso exemplo ao defender os métodos adoptados pela sua corporação neste caso. Com as suas palavras, (José) Pacheco deu à polícia uma perigosa licença para matar, uma forma nada
diferente de fazer justiça pelas próprias mãos como a que, de há uns tempos para cá, a população adoptou”.
Langa diz mais: “o Estado devia, de uma vez por todas, mandar fechar os tribunais. (…) Nada disso justifica que o Estado possa perder o Norte e transformar as suas instituições em autênticas gangs do far-west. O verdadeiro Estado de Direito constrói-se com respeito às leis e aos Direitos Humanos, e é isto que torna o Estado diferente dos bandidos. Não podemos aceitar uma polícia assassina, cujos métodos se confundem com os dos próprios criminosos(…)”.