PONTO DE vista
CARLOS PINTO COELHO
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CARLOS PINTO COELHO É JORNALISTA.
O jornalismo não pode ser praticado assim e os tribunais não podem condescender, brandamente, com o papão do poder mediático.
Um cidadão inglês saía de um cinema quando o primeiro-ministro sueco Olof Palme foi assassinado, perto dele, em 1986. Dois jornais suecos, “Expressen” e “Aftonbladet”, acusaram-no de ser o provável criminoso. Nada disso se provou.
O cidadão, Anthony White, que agora vive na cidade da Beira, em Moçambique, processou os jornais exigindo indemnizações por ofensa ao seu bom-nome. Mas os tribunais suecos não lhe deram razão e ele decidiu recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Na terça-feira o Tribunal de Estrasburgo proferiu, enfim, sentença: absolveu os dois jornais. Porquê? Porque — disse o Tribunal — os jornais tinham cumprido o seu dever de informar: “O interesse público na publicação dessa informação sobrepunha-se ao direito do queixoso da protecção da sua reputação.” Discordo. A menos que haja pormenores que desconheça, o que resulta daqui é muito simples: amanhã vou ao cinema, à saída matam alguém e no dia seguinte leio num jornal o depoimento de um senhor que diz que fui eu o assassino. Estou feito.
Ojornalismo não pode ser praticado assim e os tribunais não podem condescender, brandamente, com o papão do poder mediático. Antes de ser jornalista sou cidadão e não gosto mesmo nada deste precedente.
No entanto, ainda anteontem subscrevi um apelo ao bom-senso do Parlamento por causa da proposta de lei de Estatuto do Jornalista, que traz coisas do tempo da “Outra Senhora”. Como o texto dos jornalistas poder ser mutilado sem aviso por um qualquer editor idiota ou quando é preciso mais espaço para um anúncio.
Que é lá isso? Nem a sentença do Tribunal de Estrasburgo nem esta muito questionável proposta de lei convidam a melhores tempos. Não, não.
22.09.2006