Era uma vez, na década de 90, uma senhora (russa) de nome Tania, namorava com um estudante moçambicano (bolseiro) em Moscovo. No fim do curso do namorado, ela viajou com ele até Moçambique. Amava-o bastante. Chegados a Moçambique ela ficou decepcionada. Não era o que esperava.
Provavelmente, sonhava com uma África do príncipe de Nova Iorque ou de Mobutu.
Assim, após uma semana, Tania regressa ao seu país e lá poucos souberam da sua aventura na terra negra. No país da vodka, Tania conhece Mickael - sujeito simpático e com temperamento sanguíneo - que apaixonado pelos delírios dela decide casar-se com ela. E foi o que sucedeu. Todavia, Tania esperava um filho, de dois meses, do africano e, receosa da veracidade da situação, manteve sigilo até a altura do parto. Surpreendentemente, nasceu uma branca com alguns traços de preto - o traseiro preenchido, corpo ondulado como viola, seios brilhantes e espetantes como os montes libombos, o nariz...
Esse fenómeno fez com que Tania não desconfiasse, e atribuiu a paternidade a Mickael sem considerar a tecnologia de ponta que a natureza concebeu.
A filha, Natacha, talentosa, cresceu, cresceu, atingiu a maturidade e encantou um rico político bem posicionado no parlamento russo. Bruscamente, começou o namoro e com uma facilidade amorosa veio a grande festa do casório, e, posteriormente, conceberam um filho mulato cafuzo. Este empreendimento penoso fez com que Serguei rejeitasse Natacha alegando adultério por parte desta. Mesmo assim Natacha dizia que o amava tanto apesar do clima melancólico que o seu amor trazia.
Enquanto isso, os orgãos de informação agudizavam o escândalo:
"casal branco nasce um tipo de cor" - era o slogan que prevalecia naquele tempo de tormento.
A avó do recém-nascido vendo-se na contingência de estragar o matrimónio da filha por uma simples aventura passada decidiu falar ao público. Numa histórica e magna conferência de imprensa, revelou a parte negra da sua vida que estava na penumbra, pois os cietistas sociais já haviam começado a estudar o caso a partir da linhagem materna. Nesta majestosa conferência, penosa, Tania confessou-se, humilhou-se, implorando perdão.
- ...Desculpem-me, não fiz de propósito. Foi por simples ignorância porque o nascimento duma branca de pele fez-me crer que fosse do Mickael...
Esta verdade nua e crua trouxe o brilho doutro lado da lua, conseguiu salvaguardar o casamento da filha. Por outro lado, não conseguiu tornar a noite em claro pois o neto foi clandestinamente recambiado para África e viveu no anonimato sob cuidados do seu avô - ex-namorado de Tania - Eduardo.
Passados anos, de meses longos, e curtos, Zito, o mulato, cresceu estudioso e vaidoso como qualquer jovem da sua época. Da parte negativa da sua vida só me recordo que era um óptimo larápio, corajoso e disposto a actos heróicos.
Após concluir o nível médio, e posteriomente a morte de Eduardo - vítima de prolongada doença - Zito nunca mais se concentrou nos estudos. Assim, Célio, irmão mais novo de Eduardo, vendo a situação pecaminosa e precária com que cafuzo se deparava, conseguiu - depois de muita humilhação perante as estruturas competentes - uma bolsa de estudo ao Cafuso, em Moscovo.
No dia da partida, o aeroporto esteve repleto de gente, amiga e inimiga, conquistada ao longo da tribulação e combate na vida sacrificada que Zito teve. Com lágrimas de nostalgia antecipada, Zito partiu, não tinha outra alternativa e era exactamente aquilo que queria e necessitava naquele momento.
Chegou à capital russa com uma única missão por cumprir - trazer o diploma. Todavia, como por natureza ele era ser humano e não uma máquina, por vezes dava algumas saídas momentâneas e entretinha-se com os amigos que diariamente conquistava.
Certo dia, saiu com alguns compatriotas seus, foram a um cafe-bar e num ambiente de tertúlia puseram-se a deliciar as comidas do branco. Nesse mesmo local, uma servente simpatizou-se com o charme dele e ele correspondeu. Só que, naquele instante do orgasmo palavreado, surgiu uma tribo citadina transportada por motos Harley Davidson. E, todos membros estavam vestidos a rigor, com aqueles casacos e calças de napa, outros com jean's preenchidos com o brilho de etiquetas como se fossem estrelas do diabo. Esta tribo esquisita começou a demolir o clã estranho que ali se encontrava. Coincidentemente, o grupo de moçambicanos.
- Eh, nyandaeoou, niandaeoouu, eu não sou preto eles é que são pretos - dizia Zito, apontando para os seus compatriotas.
- e voce o que e? - questionou um dos elementos da tribo de brancos roquistas e racistas.
- Eu sou mulato...
- E mesma coisa-respondiam os agressores enquanto despendiam forças provenientes duma alimentação equilibrada.
Um dos negros conseguiu fugir até ao dormitório dos estrangeiros e deu a notícia do massacre. Repentinamente, os cubanos puseram-se ao corrente da situação e foram ao campo de acção. Lá puseram-se a tarear os racistas que se punham em fuga um a um sem deixar rastos.
Parecia que certos pugilistas de pesos pesados haviam decidido combater o público devido ao mau comportamento deste.
A reacção violenta dos cubanos salvou a vida dos mocambicanos. Regressados da guerra sangrenta, os cubanos, puseram-se a ralhar com os restantes estrangeiros particularmente africanos pois estes tiveram medo de ir acudir os moçambicanos. Enquanto isso um moçambicano negro de nome Armando - colega de quarto de Zito - também vítima, todo ensanguentado e com a cara inchada de tanta porrada gritava desesperado.
- Afinal você nao é negro?! Yah, agora eu já sei, você afinal é assim?...
A sinceridade dele fazia rir por isso ninguém lhe prestava atenção devida. Todos puseram-se a rir em unissom.
Findo o curso, cafuzo pôs-se à procura de emprego para despender as últimas férias e conseguir algumas economias no sentido de trazer alguma recordação material para África. Espantosamente, conseguiu-o num restaurante, como empregado. Já que não sabia cozinhar coisas do branco, o seu serviço era basicamente limpar o chão quando os clientes sujavam. E como ele era de côr não devia dar muito nas vistas - ficava na cozinha com o seu pano nas mãos e só entrava na sala quando recebia orientações.
Passados três meses, tudo estava a postos para a sua partida de regresso a casa. Então, pela primeira vez, vestiu o fato mais lindo e elegante que tinha, e com a sua pasta da côr dos sapatos, foi ter com a patroa do restaurante. Quando ele entrou no escritório dela, esta pensou que o empregado viesse pedir aumento do salário ou então apresentar um problema familiar que necessitasse de dinheiro urgente.
- Engravidou uma russa? - pensou, duvidando. Contudo, depois de se cumprimentarem, com todo respeito, cafuzo falou.
- Obrigado patroa por me ter recebido e tratado bem, só que sou um mestrado em economia e já estou de viagem marcada para o meu país - falava enquanto tirava o seu diploma da pasta, para confirmar o que dizia.
A patroa, uma mulher bem tratada, ficou espantada pois era o que menos esperava. Porém, para esconder a sua indignação pegou no diploma com aquela seriedade de quem quer ser respeitado e leu-o rapidamente. Surpreendentemente, ela descobriu um pormenor muito interessante - o seu ex-empregado tinha o apelido do seu falecido marido. Assim, o recém-graduado foi alvo de interrogações profundas que acabaram por provar a sua relação de parentesco com a patroa - ele era o filho dela.
Depois de tudo esclarecido, a mãe sentindo-se arrependida e carente de herdeiros informou da morte prematura de Serguei devido ao sida. Mesmo assim, Cafuzo com aquele orgulho de homem despediu-se com lágrimas nos olhos mas sem nenhum sorriso. A vaidade de Zito não o permitia perdoar.
À sua chegada a Moçambique, foi recebido apenas por dois elementos do Ministério da Educação que o encaminharam até a casa dos seus familiares que nessa altura viviam nos subúrbios da capital. Aí ele passou a viver com umas duas tias afastadas e um tio. Este último era o chefe do agregado.
Domigos Carlos Pedro - Maputo, Moçambique
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