Orlando Castro
Vinte anos depois da sua morte, Moçambique começa a recuperar a imagem daquele que foi o primeiro presidente do país, Samora Machel. Se a cunhagem do seu rosto nas novas moedas é uma medida consensual, a prevista construção do seu busto nas onze capitais provinciais desagrada ao principal partido da Oposição, a Renamo, força que durante anos combateu de armas na mão a Frelimo e que reclama a inclusão, entre outros, do seu fundador, André Matsangaíssa, morto em combate a 17 de Outubro de 1979, na lista oficial dos heróis nacionais.
Afonso Dhlakama, líder da Renamo, não só cita Graça Machel para dizer que Samora foi morto com o contributo de moçambicanos ligados à Frelimo, como diz que pegou em armas, em 1977, para derrotar o comunismo que era protagonizado pelo primeiro presidente.
Fernando Gil, director de dois sites ligados a Moçambique, diz que, "independentemente da guerra, o caminho para a completa pobreza do povo estava desenhado por Samora Machel, não só a partir das aldeias comunais, como do colapso de todas as fontes de rendimento que o país possuia". De qualquer forma, salienta Fernando Gil, "não fora o acidente que o vitimou e, mais cedo ou tarde, a bem ou a mal, Samora teria de abandonar o seu suposto socialismo, graças às mutações surgidas no Mundo com a queda do muro de Berlim".
O primeiro presidente de Moçambique foi um político amado por muitos e odiado por alguns. Enquanto Lourenço do Rosário, reitor do Instituto Superior Politécnico e Universitário de Maputo diz que "Samora era amado pelo povo, ao contrário do seu regime, que era odiado", Fernando Mazanga, porta-voz da Renamo, afirma que "ele morreu pobre porque era diferente dos actuais capitalistas".
Nacionalizações
O Governo moçambicano, dirigido pela Frelimo quer, com o apoio da África do Sul, que o 20º aniversário da morte de Machel seja um dos principais acontecimentos do ano, sendo a abertura de uma biblioteca na colina de Mbuzini (localidade sul-africana onde caiu o avião em que viajava Machel e outros 34 membros da sua comitiva) um dospontos mais altos da homenagem.Estarão presentes os presidentes moçambicano, Armando Guebuza, e sul-africano, Thabo Mbeki.
De acordo com Raimundo Mapanzene, presidente do Fórum Cívico e de Cidadania Moçambicana, em Portugal também decorrem vários eventos sobre Samora, destacando-se hoje no Porto, no Espaço Moçambique, um colóquio debate em que será orador Augusto Macedo Pinto.
Samora sempre assumiu uma política populista, tentando utilizar nos meios urbanos os métodos usados na guerrilha e angariar o apoio do povo para o desenvolvimento do país em bases socialistas. Menos de um mês depois da independência, Samora anunciou a nacionalização da saúde, educação e justiça e, passado um ano, a nacionalização das casas. Outra medida impopular foi o encarceramento em campos de reeducação dos "improdutivos" e das prostitutas.
Perfil Samora Machel
Filho de um agricultor relativamente abastado, Mandande Moisés Machel, da aldeia de Madragoa (actualmente Chilembene), Samora entrou na escola primária com 9 anos, quando o Governo colonial português entregou a "educação indígena" à Igreja Católica. Quando terminou a escola primária, o jovem de 18 anos quis continuar a estudar, mas os padres só lhe permitiam estudar teologia e Samora decidiu ir tentar a vida em Lourenço Marques. Teve a sorte de encontrar trabalho no principal hospital daquela cidade e, em 1952 começou o curso de enfermagem. Em 1956, foi colocado como enfermeiro na ilha da Inhaca, em frente da cidade de Maputo, onde casou com Sorita Tchaicomo, de quem teve quatro filhos, Joscelina, Edelson, Olívia e Ntewane. Neto de um guerreiro de Gungunhana, Samora Machel foi educado como nacionalista e, como estudante, foi sempre um "rebelde" e tomou conhecimento dos importantes acontecimentos que se davam no Mundo a formação da República Popular da China, com Mao Tse-Tung, em 1949, a independência do Gana, com Kwame Nkrumah, em 1957, seguida pela de vários outros países africanos. Mas foi o seu encontro com Eduardo Mondlane de visita a Moçambique, em 1961, que nessa altura trabalhava na ONU como investigador dos acontecimentos que levavam à independência dos países africanos, que levou à decisão de Samora de abandonar o país, em 1963 e juntar-se à FRELIMO, na Tanzania.
JORNAL DE NOTÍCIAS - 19.10.2006