João M. Cabrita - Autor do livro "A Morte de Samora Machel"
O 20º aniversário do acidente aéreo que vitimou Samora Machel tem como pano de fundo a expectativa criada pelo chefe de Estado sul-africano de que o seu país iria reabrir o inquérito às circunstâncias da morte do primeiro presidente da República moçambicano. Volvidos oito meses desde o anúncio feito por Thabo Mbeki, tarda em se saber para quando o desvendar do "mistério" prometido pelo presidente da África do Sul. Sabe-se apenas que não foi instituída qualquer comissão de inquérito, estando o assunto nas mãos da polícia, o que é inédito, mundo fora, nos anais da aviação, em que entidades ligadas ao sector são excluídas dos trabalhos de investigação de um desastre aéreo. Repete-se a falta de transparência observada durante as sessões da Comissão da Verdade e Reconciliação sul-africana sobre o caso Machel.
A África do Sul comprometeu-se a explicar a origem do chamado radiofarol (VOR) falso que terá causado o desastre, algo que Moçambique ainda não conseguiu provar, vai para 20 anos. Os factos apurados por investigadores sul-africanos, moçambicanos e soviéticos no âmbito da comissão de inquérito instaurada após o desastre demonstraram a insustentabilidade da tese do VOR falso. Ficou provado que o Tupolev presidencial se despenhou como consequência dos erros em série cometidos por uma tripulação a todos os títulos negligente.
A própria União Soviética tentou fabricar provas para demonstrar a existência do dito VOR. Investigadores desse país pretendiam que o Comandante Sá Marques mentisse, afirmando que o Boeing-737 das Linhas Aéreas de Moçambique, que ele pilotava num voo da Beira para Maputo no momento em que se deu o desastre de Mbuzini, também se havia desviado da rota por acção da famigerada ajuda-rádio falsa. Por ter recusado a pactuar na cabala, Sá Marques viu-se forçado a abandonar Moçambique.
Os que continuam apostados em retirar dividendos políticos da morte de Machel, ocultam da opinião pública erros crassos como o facto dos pilotos terem desobedecido às instruções da torre de controlo do aeroporto de Maputo, descendo abaixo da altitude mínima de segurança sem que tivessem avistado as luzes da pista, e ignorado o sinal de alarme dado pelo GPWS, continuando com a descida em vez de imediato abortarem a tentativa de aterragem como mandam as leis. Em nenhum momento da fase crucial da descida e aproximação ao que se julgava ser Maputo a tripulação procedeu à contra-prova regulamentar. Em vez disso, o comandante ocupava-se com a encomenda e distribuição de cerveja e Coca-Cola entre os membros da tripulação, e o co-piloto escutava uma estação de rádio soviética. Nos derradeiros momentos do voo, o mecânico de bordo havia-se ausentado da cabina de comandos.
Inexplicavelmente, Moscovo nunca permitiu que o mecânico de bordo, que sobreviveu ao acidente, depusesse perante a comissão de inquérito para poder explicar questões como o facto da aeronave não ter sido conveniente abastecida para o fatídico voo.
JORNAL DE NOTÍCIAS - 19.10.2006