Estado sem meios suficientes
- Reformas nas competências do IPAJ podem mudar a situação
Por Benedito Ngomane*
O juiz-conselheiro do Tribunal Supremo (TS), João Trindade, reconheceu na palestra que proferiu no Instituto Superior Politécnico, ISPU, esta quarta-feira, que o Estado não tem meios suficientes para garantir o acesso dos cidadãos mais carenciados à justiça.
Para alterar esta situação apresentou um conjunto de propostas de reformas, elaboradas por uma equipa que incluiu o Centro de Formação Jurídica e Judiciária em coordenação com a Unidade Técnica de Reforma Legal.
No quadro das propostas, o Instituto de Promoção e Assistência Jurídica, IPAJ, no lugar das funções executoras e de garantia, podia assumir uma função reguladora, permitindo a entrada de outras entidades, como as organizações não governamentais para a prestação da assistência jurídica.
Actualmente, a intervenção de organizações como a Liga dos Direitos Humanos é vista como um mecanismo nesse sentido.
Por outro lado, o reconhecimento da existência de outros sistemas normativos dentro da sociedade, nos quais se apoiam muitos moçambicanos, deve ser efectivo e a jurisdição dos tribunais comunitários obrigatória e não voluntária.
O juiz-conselheiro notou que é preciso dissipar quaisquer hesitações sobre os tribunais comunitários, elegendo-os como importantes no contexto da administração da justiça. Trindade observou que é fundamental um sistema de administração da justiça articulado entre o Estado e outras formas não
estatais de resolução de conflitos.
Tribunais de nível provincial
As propostas apresentadas tomam em conta a evolução sócio-económica do país, decorrendo disso, disse o juiz-conselheiro, a rede dos tribunais ao nível nacional não tem que necessariamente coincidir com a rede administrativa.
Há províncias que, pela sua dinâmica, podem justificar dois tribunais de nível provincial.
Aliado a isso, apontou ser necessário alargar as competências dos tribunais dos distritos e de província de modo a permitir que o Tribunal Supremo se ocupe de matérias de Direito e não de facto.
No concernente aos recursos humanos, as propostas apresentadas sublinham a necessidade de se confiar a gestão dos tribunais a quadros qualificados para o efeito e libertar os magistrados dessa função de modo a que se dediquem às suas competências.
De acordo com Trindade, as propostas apresentadas foram precedidas por uma investigação, auscultação aos mais diversos sectores da sociedade e assentam no entendimento estabelecido entre o Centro de Formação Jurídica e Judiciário com a Unidade de Reforma Legal que confiou àquele a elaboração de projectos de lei, no contexto do plano de revisão legislativa, sobre os tribunais judiciais, tribunais comunitários e acesso dos cidadãos carenciados à justiça.
Quanto à reforma legislativa de um modo geral, o Dr. João Trindade falou da necessidade da sua articulação e coerência entre os diversos diplomas, o que pressupõe uma lei base com os princípios fundamentais decorrentes da Constituição da República.
O tema da palestra anunciava a reforma do judiciário no seu todo, mas o orador fez questão de mostrar quão amplo seria falar de todos os intervenientes no sistema e circunscreveu-o aos tribunais.
As propostas ora apresentadas ainda estão abertas a debate e contribuições.
A dissertação do juiz-conselheiro João Trindade no ISPU enquadra-se no programa do Centro de Práticas Jurídicas deste instituto que uma vez por mês convida uma personalidade.
Trindade tem uma vasta experiência de docência e investigação e foi director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária.*Colaboração - SAVANA - 03.11.2006