Luciano Amaral
Professor universitário
É claro que houve eventos momentosos para comentar. Mas não deixa de ser estranho que uma das mais importantes notícias económicas recentes tenha sido dada nas páginas discretas de um suplemento de economia, sem suscitar qualquer debate. No dia 9 de Novembro apareceu no suplemento económico deste jornal a notícia segundo a qual a economia portuguesa teria hoje mais ou menos o mesmo nível de rendimento per capita, comparado com as economias mais desenvolvidas da Europa, do que em 1973. O que é que isto significa exactamente? Significa que, no último terço de século, nos últimos 33 anos, não nos aproximámos dos países mais ricos da UE. Isto porque, aos anos em que o fizemos logo se seguiram outros em que nos afastámos (caso dos últimos seis). Convém, evidentemente, entendermos também que esta é uma medida comparativa. Em termos absolutos, estamos certamente melhor do que há 33 anos. O que se passa é que os países mais ricos da UE também estão. Por isso, mesmo se o nosso bem- -estar material é superior ao que era nos anos 70 (noção que não escapará a praticamente ninguém hoje em dia) continuamos, no universo da União Europeia, tão pobres como então.
Para quem estuda o desenvolvimento económico português na época contemporânea (séculos XIX e XX), esta notícia é ainda mais chocante. Ela significa que, nos últimos dois séculos, se destaca apenas um período de aproximação persistente da nossa economia às mais desenvolvidas, o quarto de século que vai dos anos 50 até 1973. Antes disso, o quadro ou é de declínio continuado (todo o século XIX) ou de estagnação (a primeira metade do século XX). Em 1950, o rendimento per capita português deveria rondar os 40% das economias europeias mais ricas, ou seja, estava abaixo da metade do seu nível de rendimento e fazia de Portugal um país inequivocamente pobre. Em 1973, tinha recuperado muito terreno, rondando os 65%, o que fazia de Portugal um país rico. Qualquer coisa como o mais pobre de entre os mais ricos, exactamente como hoje. A questão natural a colocar aqui é o que terá acontecido naquele período que explique um comportamento económico tão positivo. O problema é que nunca se conseguirá falar sobre o assunto de forma normal, muito simplesmente porque esse período corresponde aos últimos 25 anos do Estado Novo.
Dir-se-á que o desenvolvimento económico português nos anos 50 e 60 do século XX era natural, porque todas as economias europeias estavam a crescer muito, não surpreendendo que a nossa as acompanhasse. Mas o importante é que ela fez então mais do que acompanhar. Cresceu muito mais do que as outras. Ao contrário, o que fez nos últimos 33 anos foi acompanhar. Que não tinha de ser assim é ilustrado pela economia irlandesa. Há 30 anos, o rendimento per capita da Irlanda era apenas ligeiramente superior ao de Portugal. Hoje, a Irlanda é o país mais rico da UE (se exceptuarmos o Luxemburgo, que é realmente uma excepção, por motivos que não vale a pena enumerar agora). A Irlanda fez, portanto, nos últimos 30 anos muito mais do que acompanhar. O caso irlandês é quase anómalo na sua excepcionalidade, e nem sequer seria legítimo pedir a Portugal que repetisse a proeza (embora não fosse mau, como é evidente). Bastava a Portugal, mesmo mantendo-se na liga dos mais probres europeus, reduzir a diferença para os mais ricos, colocando-se na média ou um pouco abaixo.
De forma algo mais polémica, o problema que estes números colocam é o de tentarmos perceber o que se passará com o nosso regime democrático para que não contribua mais para o desenvolvimento económico do País. Afinal, apesar da famosa promessa do terceiro D do MFA ("Desenvolver"), durante a vigência da democracia, a única coisa que nos aconteceu em termos económicos foi mantermo-nos no mesmo nível em que o regime anterior nos deixou. Sendo o País o que é, estas considerações, se acaso merecerem algum comentário (e o mais provável é que não mereçam), será apenas para fazer umas insinuações sobre "branqueamento" e "reabilitação" do fascismo. É uma atitude intelectual que explica muito do que vivemos, mesmo em termos económicos. O nosso regime tem uma incapacidade profunda para pensar o regime que lhe antecedeu. O que é tanto mais interessante quanto se define por oposição a ele. O nosso é um regime antifascista, coisa que se comemora todos os anos a 25 de Abril. Ora, sendo o antifascismo importante para muitos fins, não basta para promover nem o pluralismo político nem a prosperidade de uma comunidade política. Recusar entender o regime anterior à democracia para além das caricaturas significa também recusar entender a democracia, ou significa entendê-la apenas como uma caricatura. Perceber o que se passou antes da democracia em termos económicos (que é o que interessa aqui) não serve para enaltecer o que então se passou. Serve sobretudo para a democracia não ser confundida com o empobrecimento relativo do País.
NOTÍCIAS - 30.11.2006