Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
"Empowerment"
Não sou um purista da língua, mas não acho que os textos em português devam ser metralhados a torto e a direito por expressões anglo-saxónicas, mau grado o nosso estatuto insular no grande mar da Commonwealth, aqui na África Austral. Também eu tenho saudades do futuro para saber que novos Brasis emergirão da apropriação cultural da língua que chegou nas caravelas, há muitos anos.
Todo este arrazoado para tentar explicar "empowerment", dar poder, transmitir poder, emponderamento, para os que tentam fazer a ponte grosseira entre as duas línguas.
E o "empowerment" está na ordem do dia, agora que foi proclamado que "Cahora Bassa já é nossa".
Também assim o dissemos quando as indústrias e as casas foram nacionalizadas em 75 e 76. Tecnicamente foi "empowerment". No entanto, pouco mais de uma década depois, chegou-se à conclusão que aquele não era o melhor "empowerment". E começaram-se a reprivatizar as fábricas e os prédios.
E mesmo que isso possa significar geometricamente uma mudança de 180 graus, há muita gente que continua a ter dúvidas sobre as duas naturezas de "empowerment".
Na versão mais terráquea, os que voam baixinho nas suas elaborações teóricas, dizem que os que beneficiaram do segundo "empowerment" eram os que estavam atrás do primeiro "empowerment", fora os restos óbvios do item habitação. Mesmos com os justificados lamentos dos "crocodilos no ovo" que ficaram a ver navios com a nacionalização das suas madeira e zinco, centenas de milhar ganharam alvenarias, literalmente por um punhado de dólares.
O problema que estamos com ele, como dizem os nossos irmãos do Atlântico, é agora Cahora Bassa. É nossa de todos, tipo campanha de um ministério da baixa da cidade, ou vai dar para todos levarmos para casa um titulosinho de propriedade, como no capitalismo popular dos americanos e japoneses.
Os cépticos são muitos. Os que têm acesso aos relatórios do Tribunal Administrativo sabem que do tal segundo "empowerment", muito pouco entrou para os cofres do Tesouro. Os que lêem a III série do Boletim da República encontram uma anacrónica similaridade entre os nomes que estão lá a formar empresas, os que constam dos relatórios do tribunal e os que são nomes sonantes do grande partido que tomou as rédeas do Estado, quando se deu o tal primeiro "empowerment" de 1975.
Os cépticos também sabem que os polícias do FMI andam sempre de olho nas contas do Estado e até criaram um sistema unificado de contabilidade pública para ver se punham cobro aos vários "buracos negros" dos ministérios.
Mas há as empresas públicas, onde os tais fiscais têm mais dificuldades em se movimentar e que são hoje uma parte do saco azul donde sai o oxigénio para o partido do "empowerment" de 1975. E como é sempre delicado este exercício de manusear oxigénio, nada melhor que camaradas com larga experiência em manuseamento de cargas voláteis, assegurando o êxito da operação. Sempre com as necessárias "passwords" (palavras chaves), não vá haver "vírus informáticos" no processo.
Por isso, muitos dos que batem palmas com inquestionável orgulho, porque é nossa, gostavam mesmo era de ter um cheque no bolso, ou um título de crédito sucedâneo que lhes desse um equivalente sentimento de conforto e alegria.
Que lhes transmitisse poder.
"Empowerment".
SAVANA - 03.11.2006