Crónica de Viagem por Luís Nhachote
O caso da «Junta» como pólo de sobrevivência
Quando os meus colegas me lançaram o repto de ir a Quelimane via terrestre, para fazer a cobertura do 9º Congresso do partido Frelimo, aceitei com incomensurável prazer.
Faziam três anos que não calcorreava as estradas do país por terra e não sentia o seu cheiro, via suas cores e não fazia amor com a paisagem e as suas múltiplas cores.
Pelas 6 horas do dia 7 de Novembro, uma terça-feira, aportei na chamada «Junta», o ponto de convergência de centenas de milhares de viajantes que pretendem embarcar para os mais diferentes e recônditos lugares de Moçambique.
A vida na «Junta» começa com o romper da aurora. Os autocarros, antes que cacareje o primeiro galo, já colectavam passageiros para os seus variados destinos. Há carreiras para o Sul, Centro e Norte.
Mas, este trabalho, da colecta de passageiros esta nas mãos de “free-lanceres”, que por cada cabeça amealhada, tem a sua comissão garantida. Essa comissão é negociável, pela habilidade de cada colector. Entre estes, despontam e abundam os vendedores do sector informal.
Vendem desde água gelada, pão, bolos, sumos, espelhos, pentes, pastas dentífricas, lenços, termos.
E, para (des) equilibrar o ambiente algo “pacifico”, proliferam os chamados “amigos do alheio” na sua mais ampla forma de sobrevivência. Ao seres colectado, e no mínimo lapso de distracção, podes ver a tua mala de roupas desaparecer como o grão de arroz se evapora na areia.
A polícia de protecção talvez de binóculos é possível lhe descortinar. Os da polícia de trânsito, esses estão empenhados, uns em organizar o tráfego e, outros a aproveitarem da desorganização para “facturarem”. Perdura ainda, infelizmente, a lógica do “cabrito come onde esta amarrado”.
Embarquei numa carreira normal com destino para o distrito de Vilanculos, a norte da província de Inhambane, onde contava pernoitar no cruzamento de Pambara, para prosseguir a minha rota.
Eram 6.20. Passado meia hora por entre as janelas do autocarro, senti o palpitar de um país.
A inflação estava estampa na janela. A pobreza, o nudismo, o caos, a falta de horizontes estava ali, e no interior do autocarro. O desuso crescente e os fiscais a cobrarem a taxa diária dos vendedores ambulantes.
Os vendedores ambulantes entram em todos os autocarros, na tentativa de conseguir convencer os passageiros a adquirirem parte das suas mercadorias.
E entre aqueles que entram promover o seu produto, pude sentir isto entre os mais experientes, os malandros estão sempre a espreita. Sendo assim é mais aconselhável não perder de vista, nem por um segundo, a tua bagagem. De preferência esconda também o seu telemóvel, se o tiver, nas partes mais íntimas.
Eles conhecem que tem cara de novato, suas vítimas preferenciais.
Os produtos alimentares, ali expostos, desde sandes a refeições ao estilo de “fast food”, há-se lá saber, se tem reunidas as condições mínimas de confecção. Mas estômago de viajante não preparado, tem que aprender novas lições.
Às oito horas, o carro finalmente arrancou. Para os que propalam o discurso de “combate a pobreza absoluta” sem indicadores, a «Junta» é um caso de estudo.
Prosseguiremos amanhã a viagem. Ainda só estamos no princípio.
(Luís Nhachote) - CANAL DE MOÇAMBIQUE - 21.11.2006