Crónica de Viagem por Luís Nhachote
Da «Junta» ao «Benfica»: dois pólos siameses de sobrevivência
Da terminal da «Junta», onde embarquei com destino a Quelimane, até ao bairro do «Benfica», no prolongamento da EN1, os autocarros que nos levam a palmilhar este país, a sentir o cheiro acre da terra, ouvir o chilrear dos passáros, ouvir as lamurias dos homens e mulheres; e crianças sorrindo por tudo e por nada, são cerca de 5 kms.
Esse troço – «Junta»-«Benfica», para ser percorrido leva cerca de uma hora. Parece, é uma eternidade.
As diversidades das mais apuradas técnicas de sobrevivência, podem ser observadas com arte – a mesma com que devemos olhar o sol – engenho, e imaginação que apenas caberiam num “best-seller”, ou escritos dos poetas anoitecidos do nosso país. E de que País falam os políticos?
A viagem prosseguiu. O autocarro estava cheio. Havia passageiros em pé. A lotação do autocarro não devia exceder os sessenta passageiros como indicava uma nota interna. O motorista e o cobrador não a respeitaram. Violaram-na!
Enquanto prosseguia, o autocarro rolava lentamente porque o movimento de peões e o trânsito naquela zona é intenso. Os vendedores ambulantes perseguiam-no enquanto tentavam convencer os passageiros a obter, pelo menos um dos produtos que nos atiram, em gesto matinal famélico, desde a terminal da «Junta». É assim dali em marcha lenta até ao «Benfica», completando-se assim os tentáculos siameses de dois pólos de sobrevivência.
Passou uma hora, assistindo e registando na memória, aquilo a que o escritor e amigo Marcelo Panguana chamaria o «Chão das coisas».
Acaso os políticos já o leram? Têm tempo?
Ao «Benfica», enfim, fizemos a primeira paragem. É preciso carregar mais passageiros.
Doa a quem doer, que se lixe o Estado e todas suas estruturas, mas o autocarro, tem que “fazer receita que patrão grande mandou”.
E, os corredores do «BUS», onde era suposto os passageiros andarem para se descontraírem, os cobradores e ajudantes iam amealhando mais ´cabeças`e a arrumarem-nas quase quimicamente com o processo de armazenamento de carvão e cimento. Gente tratada como sacos.
Empilhando, quase a rebentar pelas costuras, os ambulantes dentro do «Bus» aumentavam as suas ofertas que cresciam ao ritmo do sol. Um pavor!
Do outro lado do passeio, peões disputam os passeios com rádios, DVD´s, colunas, CD´s piratas, loiça, facas, catanas, camas. Morto de curiosidade, na minha língua materna, provoquei o cobrador que ostentava e empunhava uma garrafa de «Gin Tentação». Pergunto-lhe o porquê daquela enchente…
“Bro”, diz-me ele: “Temos que fazer dinheiro para o almoço, e para pagar à Polícia”.
“Dinheiro para quartos e mulheres vai sair dos passageiros que têm muita bagagem”.
Alguns minutos depois o «Bus» prosseguia, sempre «preguiçosamente» o seu rumo. Não dá para mais, tal a balbúrdia.
No famoso «Controlo do “Drive Inn”», onde está um posto policial, a polícia de trânsito manda parar o autocarro.
O motorista sai antes que o agente se aproximasse. Por detrás do «Bus» as “comadres” entendem-se e chancelam um crime de que ambos acabam sendo agentes activos. A Pátria estava ali ajoelhada. Mas deixemos mais para amanhã e até dar. Ainda há muito para contar…
Quem é o policia que se atreveria a multar um machimbombo em transgressão?
(Luís Nhachote) -CANAL DE MOÇAMBIQUE - 22.11.2006