Paulo Pereira de Almeida, Professor do ISCTE e investigador
Afirmar que o continente esquecido que foi África estará de volta no século XXI ainda causa receio e perplexidade. Receio, uma vez que se mantém o fantasma da corrupção e das guerras intermináveis; e, simultaneamente, perplexidade, pois muitos ainda não acreditam numa mudança de percepção, segundo qual este Continente deixou de ter um interesse marginal na economia mundial globalizada.
Todos sabemos que desde o início dos processos de descolonização - há mais de 50 anos - as nações africanas têm sofrido consideráveis reveses que as afastaram dos benefícios dos países desenvolvidos. Contudo, este é um território de grandes desafios, de consideráveis oportunidades e de sucessos nem sempre reconhecidos. Veja-se, por exemplo, que, desde 1990, mais de 40 dos 50 países da África sub-sahariana realizaram eleições livres e multipartidárias; e a verdade é que a maioria dos africanos já pode, hoje em dia, escolher os seus líderes nos boletins de voto. Além disso, os políticos africanos têm vindo a reconhecer a necessidade de promover a cooperação e a integração económica e política; não terá sido por acaso que, em Julho de 2002, a Cimeira de Líderes Africanos já falava numa União Africana renovada e revigorada. E a este sinal de consenso acrescentou-se a formulação de um conjunto de iniciativas de integração regional que incluem - entre muitas outras - a possibilidade de criação de uma união monetária e da partilha de um Banco Central. E se, também neste ponto, existem dificuldades e assimetrias entre os países - em particular em termos de comércio e de disciplina fiscal - já existem passos importantes para a criação de uma moeda comum estável e para o controlo da inflação. Por outro lado, o conhecimento mais rigoroso de África passa também pela formulação de estatísticas credíveis acerca das realidades de cada um dos países. Ora também neste ponto se têm dado passos inteligentes, sendo o mais recente o caso de Angola que, em Dezembro de 2006, lançou aquele que será o seu primeiro Recenseamento Geral da População desde 1970, o qual deverá estar concluído em 2010.
Por tudo isto - e, sobretudo, porque Portugal pode ser dos poucos países que trata África por "tu" - África poderá vir a ser cada vez mais "nossa". Nossa, mas em sentido figurado, é claro. Sem quaisquer complexos em relação a Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
JORNAL DE NOTÍCIAS - 27.12.2006