A talhe de foice
Por Machado da Graça
Estive recentemente num encontro em que estiveram presentes pessoas vindas de diversos distritos das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa.
No meio de histórias estranhas que foram contadas, impressionou-me uma:
Falava de um distrito em que um dos responsaveis, cada vez que dirigia uma reunião, começava por "lembrar" aos participantes que tudo no país pertencia à Frelimo: As estradas eram da Frelimo, as escolas eram da Frelimo, os hospitais eram da Frelimo e por aí adiante.
Fiquei, como é bom de ver, bastante chocado com esse tipo de afirmações feitas por um responsável a nível distrital. Afirmações que, sendo logo à partida falsas, têm o claro objectivo já traçado por um falecido e pouco estimado dirigente nazi que afirmava que uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade.
Principalmente se ninguém aparecer a desmentir o que foi dito.
E, portanto, aqui estou a desmentir esse dirigente para que se não diga que quem cala consente.
Pois a verdade é que nada daquelas coisas pertence à Frelimo. Estradas, escolas, hospitais, pontes, etc, pertencem ao povo moçambicano. A todo o povo moçambicano. Aos que votam no PDD como aos que votam no PIMO. Aos que votam no Monamo como aos que votam na Renamo. Aos que votam na Fumo como aos que votam na Frelimo.
Todas essas coisas foram feitas usando os impostos pagos por todos os cidadãos. Dinheiro que se misturou todo nos cofres do Estado, de forma que não se fica a saber que parte dele foi gasto numa obra ou na outra.
Mesmo que a Frelimo, num gesto nobre, pegasse no seu dinheiro, construisse uma ponte e entregasse essa ponte a uma determinada aldeia, essa ponte não era uma ponte da Frelimo. Era uma ponte da aldeia.
A Frelimo é o partido que está hoje no poder, mas não é o dono do país. Este país só tem um dono: o Povo Moçambicano. Os cerca de 18 milhões de cidadãos moçambicanos são os únicos donos do país.
E se esse Povo Moçambicano até agora votou na Frelimo para dirigir o país, isso não quer dizer que, no futuro, não venha a votar num outro partido qualquer.
Podem-me dizer que isto é apenas conversa de um dirigente distrital e que não tem consequências nenhumas na vida do dia-a-dia.
Mas eu respondo que isso não é verdade. E a prova está na questão escandalosa que está a acontecer na Beira com os edificios publicos que a Frelimo agora afirma serem sua propriedade particular. Bastou a cidade passar a ser dirigida por um autarca da Renamo para esses edificios, que sempre foram usados por serviços públicos, serem declarados propriedade da Frelimo exigindo ao Município que pague rendas pela sua utilização.
E os tribunais, tão independentes que são, a dar razão ao partidão.
Isto diz-nos que, se um dia a oposição ganhar as eleições no nosso país, vamos talvez descobrir que o tal dirigente distrital tinha razão e que as estradas, as escolas, os hospitais e tudo no país afinal eram propriedade da Frelimo e vamos ter todos que pagar àquele partido para podermos utilizar essas infraestruturas.
Há, portanto, que deixar muito bem claro o que é de quem. Desde já e sem margem para dúvidas, para evitar mais surpresas no futuro. Para não nos virem dizer que houve militares que venderam quarteis a privados como se fossem propriedade sua. Ou que dirigentes do Ministério X entregararam instalações do seu ministério como sua participação no capital de uma qualquer empresa privada.
O partido Frelimo é uma entidade como outra qualquer que não se pode confundir com o Estado Moçambicano. Principalmente nestas questões que envolvem bens materiais.
E isto deve ser dito em todo o lado, alto e bom som, para que não fique sombra de dúvida em ninguém.
Quem disser o contrário está a mentir e, como já disse, não é uma mentira inocente. É, muito provavelmente, um primeiro passo para preparar o desvio daquilo que é de todos nós.
E não podemos aceitar que isso aconteça.
SAVANA - 26.01.2007