Por José Lopes *
Quando há cerca de um ano te perguntei se o futuro da electricidade Eskom te preocupava, respondeste-me com um empertigado Não!
Cedo percebi que a veemência do teu Não só poderia resultar de uma desfocada visão dos cenários Eskom e, carinhosamente, por altura do dia de S. Valentim, enviei-te um cartão dando conta de vários relatos preocupantes (xitizap # 25).
De então para cá, e como certamente reparaste, a fiabilidade Eskom tem vindo a deteriorar-se aceleradamente, e é crescente a probabilidade de, um dia destes, a Eskom vir a cortar-te alguns dos 900 MW que tu dela mamas – uma teta equivalente a um grupo da central nuclear de Koeberg.
Mas nota, querida Mozal, que há algo de novo neste teu drama Eskom.
Na verdade, boa parte dos sobressaltos que vais viver nos próximos anos não ficará a dever-se apenas à inenarrável displicência do planeamento Eskom, e ao consequente atraso de 3 ou 4 anos no desenvolvimento dos seus sistemas eléctricos. De facto, a esta derrapagem provocada por uma anterior ganância em se privatizar a Eskom, soma-se agora, e com dramática acuidade, o insustentável declínio dos standards de manutenção e operação, em particular ao nível da geração.
E, assim sendo, esboroam-se os índices de disponibilidade do parque teorizados pela Eskom e, consequentemente, as suas Margens de Segurança - que foi exactamente o que aconteceu quando, nesta recente crise de blackouts, a Eskom se deparou com a indisponibilidade não-planeada de 4,600 MW, ou seja, quase o triplo do previsto.
Sugiro-te por isso, minha querida Mozal, que, mesmo antes que chegue o próximo Inverno, leves muito a sério o aviso que há um ano o CEO Eskom vos deu:
“Os smelters (crómio e alumínio) têm vivido numa época de excesso de capacidade eléctrica sem que tenham sido interrompidos os fornecimentos Eskom. Por isso talvez seja altura para interrupções, embora sob reserva de duração e frequência. Isso é realmente parte do negócio!”
E, já agora, sugiro-te também que reajustes a tua matriz de riscos operacionais, e mesmo estratégicos, sob pena de multiplicares os pézinhos de barro em que assenta o teu gigantismo.
Mas, no entretanto, legitimamente questionar-te-ás:
Porque raio é que este gajo vem agora preocupar-se com o meu bem-estar?
Um energúmeno que nunca simpatizou comigo, um tipo que vive com electricidade sobrante (incluindo a que eu finjo fazer-me falta em Corridor Sands), um safado que é de um país que, para além dos 1100-1300 MW para a Eskom, contrata exportações de 650 MW (Zimbabwe + Malawi) já depois de se ter assegurado o fornecimento para o Titânio de Moma, sim, mas afinal porque carga de água é que este desqualificado vem agora preocupar-se comigo?
Eu explico-te querida.
Tudo se deve a uma razão muito simples, embora talvez não óbvia.
Na verdade, e em linha com a brilhantina GDP do teu fast food estatístico, eu continuo a considerar-te um mero enclave poluidor, e por isso mesmo eu te reitero a minha antipatia. Mas, e já que raramente se podem escolher os vizinhos, eu também tenho a clara noção de que só me resta aturar-te. Daí eu desejar que os teus affaires, por irritantes que já sejam, não venham agora a agravar-se devido aos novos solavancos ambientais que as interrupções Eskom certamente causarão – a ti e a nós.
Contudo, não é essa a razão principal desta minha inusitada preocupação.
De facto, e em esforçada tentativa de limitar as perdas que nos vens causando, tenho andado à procura de caminhos que possam atravessar as fronteiras do imperial enclave em que te enclausuraste -a ver se te dou um bafo mais limpo.
Como sabes, e caso não o saibas sugiro-te que leias “Minerals Cluster Policy Study in Africa – Pilot Studies of South Africa and Mozambique” (ECA /SDD/05/08), fugir do inferno dos enclaves e ascender ao limbo dos meso-clusters minerais é, por definição, uma espinhosa profissão de fés, politicas e investimentos no roteiro da cadeia do valor-acrescentado - e do PIB verde.
E porque passados que são 9 anos da tua imperial chegada, e quase 1 bilião USD de lucros exportados
depois, insisto em reparar que pouco ou nada tens feito na descoberta das novas rotas do valor local - e Beluluane é bom exemplo disso!
Por isso mesmo, julgo ser esta a altura para te começar a cobrar valor.
Não só o que prometeste nos teus encantadores estudos de impacto económico directo e indirecto, mas sobretudo o valor que nos deves como locatária. Incidentalmente, uma locatária que, ao invés de pagar quaisquer rendas pelo aluguer, se locupleta com mais de 50 milhões USD por ano só pelo facto de usar o rótulo Made in Mozambique.
Entretanto, e enquanto não deviso uma teia que te envolva num PIB mais verde, deixo-te aqui uns diagramas como primeiro recibo destas minhas preocupações.
* engenheiro
SAVANA - 23.03.2007