O escritor moçambicano Mia Couto, vencedor do Prémio União Latina de Literaturas Românicas 2007, dedicou hoje o galardão a «todos os colegas» do panorama literário do seu país, «em especial» José Craveirinha.
«É em conjunto que estamos a fazer da literatura moçambicana um corpo», disse à Agência Lusa, sublinhando a circunstância de o prémio contribuir para «valorizar o património plural e diverso do mundo que se expressa nas chamadas línguas latinas».
«Este ano, pela primeira vez, o continente africano é contemplado por este prestigiado prémio. O prémio União Latina de Literatura reafirma, deste modo, a grande diversidade das nossas culturas e das nossas geografias«, considerou.
Mia Couto, 52 anos, é o primeiro escritor moçambicano e o primeiro africano a ser galardoado com este prémio, que já foi atribuído, entre outros, a Agustina Bessa-Luís (1997), António Lobo Antunes (2003) e José Cardoso Pires (1991).
O júri deste ano, presidido por Vincenzo Consolo (também premiado em 1994), justificou a escolha de Mia Couto pela »originalidade e o poder criativo de um escritor que parte da realidade do seu país para exaltar o poder da vida e a alegria de viver, mesmo se, por vezes, em condições extremamente dramáticas«.
«Além de uma euforia vocabular - que vem influenciando escritores mais jovens em todo o espaço da língua portuguesa - Mia Couto revelou-se igualmente um extraordinário contador de estórias na mais pura tradição africana», destacou ainda o júri.
Ao atribuir este prémio a Mia Couto, «o júri está também a reconhecer e a premiar a participação dos africanos de língua portuguesa, e em particular os moçambicanos, na revitalização e construção desse idioma».
«De instrumento de dominação colonial, o português transformou- se, ao longo das últimas três décadas, numa ponte de afectos e num importante factor de unidade nacional, em países como Angola e Moçambique, com muitas línguas e etnias«, sublinhou ainda o júri sobre a escolha.
«Jorge Amado - lembrou Mia Couto - falou do Prémio da União Latina como um modo de promover diálogo entre povos. É assim que eu vejo esta distinção: como uma janela por onde nos podemos ver melhor e que nos encoraja a atravessar os territórios de desconhecimento que ainda nos separam».
Para o escritor moçambicano, «o conhecimento da realidade das nações africanas que integram a União Latina é uma das condições para que esta organização cumpra o seu destino».
«Não seremos inteiros - vincou - se não formos todos. Não teremos espelho se não estivermos igualmente reflectidos numa mesma imagem composta«.
Na opinião de Mia Couto, a língua portuguesa é, a »par de línguas de raiz africana«, »uma das ferramentas de fabricação da identidade nacional e de construção da modernidade em Moçambique«.
«O lugar da língua portuguesa como idioma oficial - argumentou - não pode ser construído de forma hegemónica, à custa da sobrevivência das línguas bantus, que são os idiomas veiculares da maior parte dos moçambicanos. Neste contexto multilingue, os moçambicanos estão reinventando a língua portuguesa, ao mesmo tempo que ela os está inventando como corpo colectivo, como sujeitos de uma cultura apta para o afecto e para as negociações com a modernidade».
Na sua obra, hoje distinguida, o escritor diz pretender relatar a «riquíssima epopeia de sonhos e utopias», as «apostas desfeitas e refeitas contra o peso da História» que preenchem o percurso da «jovem nação» de Moçambique.
«Esse percurso de guerras e dramas fez-se de materiais humanos sublimes, de histórias individuais e colectivas profundamente inspiradoras. São essas vozes que disputam rosto e eco nas páginas dos meus livros«, disse ainda.
Diário Digital / Lusa - 18-04-2007