Luís Campos e Cunha
Portugal como economia já não é um país, é uma região de uma economia mais vasta, a União Europeia
Portugal não é país de vários pontos de vista, nomeadamente do ponto de vista económico (1). Portugal é ainda um país no sentido cultural e, parcialmente, do ponto de vista político. Disse-o há quase dez anos, para zanga de alguns bons amigos, mas, cada vez mais, é esta a realidade.
Há muito que penso que não existe uma economia portuguesa, ou seja, que Portugal é uma região de uma economia mais vasta, da União Europeia ou, pelo menos, da área do euro. Este facto tem implicações tanto para os objectivos das políticas públicas, como para o seu desenho e concepção. Desde logo, as políticas nacionais devem centrar-se cada vez menos na esfera económica e cada vez mais nos domínios da cultura, da língua e do património. Se bem me recordo, ideia semelhante já aparecia a abrir a secção económica dos Estados Gerais organizados por António Guterres em 1994/95, onde participei com grande entusiasmo!
Do ponto de vista económico, um país define-se por uma moeda própria e pela capacidade de ter uma política de comércio externo, negociando acordos comerciais, impondo ou não restrições às trocas internacionais de bens, capitais e pessoas... Ora, o escudo desapareceu e com ele a política monetário-cambial nacional. O Banco Central Europeu tomou o lugar do Banco de Portugal (que por sua vez tinha tomado o lugar do Ministério das Finanças uns anos antes) na decisão desta política e passámos a ter o euro como moeda nacional.
No que se refere à política comercial, a capacidade de introduzir taxas aduaneiras, quotas ou outras restrições face a outros países, sejam a Espanha ou a China, está integralmente fora das decisões nacionais. No primeiro caso - Espanha - é impossível pelo tratado da União e, no exemplo da China, está inteiramente nas mãos de órgãos de decisão comunitários. Portugal como economia, sorry, já não é um país, é uma região. Aliás, o mesmo se passa com a Alemanha ou a Áustria, diga-se de passagem.
A pergunta que poderemos fazer é: valeu a pena? É uma pergunta que tem tanto de natural como de irrelevante. Por um lado, do meu ponto de vista dificilmente poderia ser de outro modo e, por outro, quando Portugal teve alguma capacidade de ter uma política autónoma, a vasta maioria das vezes usou mal essa capacidade - ou seja, a resposta à pergunta é simples: não se perdeu grande coisa e era, basicamente, inevitável.
Resta a Portugal a capacidade de influenciar aquelas políticas ao nível comunitário, bem como definir alguns aspectos da política orçamental nacional. Como é mais do que sabido - por quase todos, mas não por todos - esta política está sujeita ao Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas mantém-se a possibilidade de ter escolhas nacionais: onde gastar e quanto da despesa pública. Daí também a grande necessidade de que o Orçamento do Estado reflita uma política anticíclica, pois é o único instrumento de política macro que resta aos decisores nacionais. Tal possibilidade poderá vir a existir, mas ainda faltam muitos anos.
Por tudo isto as políticas económicas, ou o que resta delas, devem ser concebidas como se Portugal fosse uma região, pois é disso que se trata. E, quando nos apercebemos deste facto ou desta condicionante, vemos que muitas das políticas têm sido mal pensadas. Como gosto de ser politicamente incorrecto, um exemplo de uma boa política, se a entendi bem, é a do programa para este Verão chamado Allgarve: um programa que mistura cultura com turismo e com um óptimo nome, de que é prova a celeuma que deu.
Já pensar em centros de decisão nacionais é errado. Primeiro, o conceito é indefinível e, segundo, do ponto de vista da economia, um nacional é qualquer pessoa da União. Defender centros de decisão nacionais faz tanto sentido como apregoar "Lisboa para os lisboetas". Eu nem sei bem o que é um lisboeta!
Portugal ainda é um país, como realidade cultural e linguística. E espero que esta realidade seja reforçada. Quando "tudo" fica igual, quando não há barreiras à mobilidade e ao comércio, é a cultura e a língua que sobressaem, como nunca tinha acontecido (2). Hoje o Estado tem maiores obrigações (que não cumpre!) com estas áreas do que jamais teve no passado. Hoje, mais que grandes obras de betão e sulipas, o importante é assegurar centros culturais portugueses em Maputo ou Luanda, escolas portuguesas na América, em Bruxelas, Paris ou Timor. Assegurar apoio à internacionalização das nossas artes plásticas; garantir que os monumentos nacionais estejam abertos, sejam restaurados e mantidos. É mais importante Serralves, Conímbriga ou o Cromleque dos Almendres, é mais relevante divulgar Fernando Pessoa, do que mais uns quilómetros de auto-estrada. É isto que nos faz mais portugueses e diferentes dos espanhóis. Não é importante, nem digno de preocupação, que a Zara não seja um centro de decisão nacional.
Este é o patriotismo de que gosto por contraponto ao nacionalismo económico que nos afundou e que hoje apenas veste novas roupagens.
(1) Utilizarei indistintamente as expressões "país" e "nação", tal como coloquialmente é entendido. Sei que não têm o mesmo domínio de aplicação, mas faço-o porque não é relevante para o texto.
(2) Aqui sublinho o papel da língua pela carga cultural que sempre acarreta. Não no sentido chauvinista e patrioteiro: a língua portuguesa é um meio de comunicação e não pode constituir uma barreira a outros contactos com outras culturas. Nesse sentido sempre defendi o ensino do inglês desde a infância.
Professor universitário
PÚBLICO - 13.04.2006
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