- Um diagnóstico lapidar de Noé Nhantumbo
Por Emídio Beúla
A Imprensa Universitária procedeu, há duas semanas, no Estúdio-Auditório da Rádio Moçambique, ao lançamento do livro “Renascença Africana – Sonho ou Realidade”, da autoria do engenheiro técnico agrário e autodidacta de ciências políticas, Noé Nhantumbo.
Em 15 ensaios, que perfazem 201 páginas, Noé Nhantumbo discute as possibilidades de uma renascença africana, questionando as opções políticas tomadas pelos líderes africanos nos momentos imediatamente após as independências. Para Nhantumbo, o tempo encarregou-se de provar que os sonhos que alimentavam a euforia das independências africanas e, em particular, a moçambicana, não eram mais do que uma miragem que a realidade tratou de dissipar. Para ele, as independências africanas não significaram a renascença de que tanto se falava, acrescentando que o facto de termos governos dirigidos por africanos não resultou em desenvolvimento e em soluções para os reais problemas de África. O diagnóstico dos principais obstáculos que contrariam a renascença africana é um dos primeiros passos rumo à discussão das soluções mais adequadas para salvar o chamado “Berço da Humanidade” dos tentáculos do subdesenvolvimento.
Acresce que um dos grandes problemas existentes em África é a incapacidade de encararmos as nossas questões e falarmos delas abertamente. “Há como que um receio colectivo de admitir que nós próprios podemos ser a razão de ser dos nossos problemas”, escreve Nhantumbo. Na verdade, Nhantumbo recupera a ideia do filósofo moçambicano Severino Ngoenha, segundo a qual, em África, uma vez conquistadas as independências, os políticos não perguntaram aos povos quais eram as suas visões do futuro e aspirações, mas apenas os chamaram para executar um projecto de futuro que se considerava mais conveniente para todos. Tal futuro não se fez presente, porque era estranho ao imaginário colectivo das massas populares. Segundo Nhantumbo, o desafio é o de os africanos passarem de objecto da história a criadores sociais do seu próprio devir histórico. “Uma escolha tem que ser feita entre ser um simples espectador da situação e cidadãos envolvidos na acção. (…)
A escolha é entre deixar que as suas vidas sejam dirigidas por partidos políticos que estão mais mortos que vivos ou trazer para as suas vidas elementos da mudança. Quando mencionamos os elementos da mudança nesta situação estamos falando sobre o debate, debate aberto sobre o modo como vivemos, a necessidade de começar a questionar os nossos políticos sobre o seu trabalho e as suas realizações”, lê-se na obra de Noé Nhantumbo.
Para o autor, questionar as opções dos nossos políticos ou, para usar a expressão do sociólogo Elísio Macamo, interpelar as boas intenções das pessoas que nos querem proteger, nunca significaria falta de auto-estima ou de sentido patriótico, mas uma salutar contribuição dos cidadãos para o processo de construção da sua própria nação. Aliás, segundo o pensador francês Dominique Wolton, em “As contradições do espaço público mediatizado”, a democracia pressupõe a existência de um espaço público onde sejam debatidos de forma contraditória os grandes problemas de momento. Em democracia nenhuma política, que vise o bem-estar comum, se pode dar ao luxo de passar por cima do crivo da crítica pública.
Da ousadia à independência epistemológica
Aos olhos do sociólogo Filimone Meigos, apresentador da obra, o renascimento africano de Nhantumbo pode resumir-se aos desafios que se impõem aos africanos, nomeadamente a reconstrução dos conceitos que nos definem e a mudança de atitudes perante a realidade ambígua dos processos africanos. Meigos salienta que o autor faz “uma abordagem de questões políticas africanas sem citar sequer um politólogo, clássico ou não que seja, como é apanágio das academias”. Na óptica do apresentador da obra, a ousadia e a independência epistemológica de Noé Nhantumbo ajudam a equilibrar o campo dos saberes sobre África, e sobre Moçambique, em particular, e emprestam uma valiosa contribuição para a academia, principalmente naquilo que se chama as abordagens epistemológicas do Sul. “Esta estratégia epistemológica propicia a relação entre a pesquisa social, a teoria social e as percepções sociais a partir do ponto de vista dos sujeitos e objectos desse dilúvio e dessa ressurreiração/renascimento, e isso é um mérito a realçar”, afirmou Filimone Meigos. savana - 27.04.2007