KHOMALA! - Por Vasco Fenita
Encontrei-me há dias, acidentalmente, com o padre Lopes, figura carismática da Ilha de Moçambique.
Circulávamos, a pé, em sentidos opostos numa das artérias do centro da cidade-capital de Nampula. Reconheceu-me com alguma dificuldade. Pudera passaram-se cerca de duas décadas que não nos víamos. E padece de graves problemas de audição. Foi, então, preciso que eu inscrevesse o meu nome num minúsculo caderno que ele trazia consigo.
Se calhar, com esse propósito de identificar as pessoas de que já não recorda, e que, circunstancialmente, o
abordam.. Depois, sim, de apor o meu nome no tal caderno, a sua memória foi reavivada e, visivelmente entusiasmado, exclamaria: “Ah, afinal, és o Vasco Fenita, outrora correspondente do Jornal “O Brado Africano” na Ilha!... Venha daí um grande abraço!” No demorado amplexo, perpassaram-me na retina alguns dos mais gratificantes momentos que vivi na chamada Ilha dos Amores, como lhe chamou Camões. E, logicamente, vieram , também, a tona algumas agruras relacionadas com a assanhada perseguição empreendidas, então, pela asquerosa PIDE sobre a minha pessoa, por ter escarrapachado no supracitado hebdomadário uns garatujos considerados incómodos para o governo colonial.
Seguiram-se as perguntas sacramentais de parte a parte. Ele queria saber
em que me ocupava agora. (“Ainda apegado ao jornalismo? Oh, você é mesmo um apaixonado!” Observou-me, sorridente).
E eu desejava conhecer a razão da sua presença na cidade de Nampula.
Confesso que não pude disfarçar a surpresa de que, momentaneamente, fui invadido quando me revelou que deixou definitivamente a Ilha, desde o dia 20 de Abril.
Depois de 47 anos de permanência, num sacerdócio exercido num clima de verdadeira cordialidade e de afectuosa aproximação com toda a população da ilha, indistintamente da sua confissão religiosa. Por isso, a sua saída da histórica cidade deixará um eterno vazio nos corações das suas gentes, com as quais manteve uma salutar empatia.
Mas, importava saber o que estaria subjacente à saída da Ilha do padre Lopes (de seu nome completo António Maria Lopes, agora com 82 anos de idade, nado e ordenado em Portugal, mas de nacionalidade moçambicana desde a Independência de Moçambique). Teria obedecido a um processo pacífico e linear ou terá sido esmaltado de algum constrangimento?
Ele próprio esclarece de que nada de anormal se pode invocar em relação à sua transferência da Ilha de
Moçambique, porquanto ela decorre da necessidade de apetrechar as paróquias com a nova vaga de sacerdotes oriundos da província.
Ao ser Interpelado se, porventura, não sentiria algum desencanto pelo facto da sua saída da Cidade-museu coincidir com a iminente perspectiva de reabilitação, o meu interlocutor é de opinião que “embora tardia, a anunciada reabilitação é benquista, conquanto integre, simultaneamente, as componentes estrutural e humana. Sublinha que deixa a Ilha sem qualquer espécie de ressaibo”.
WAMPHULA FAX - 29.05.2007
NOTA:
Faz pouco mais de um ano que, na "nossa" Ilha de Moçambique abracei o Reverendo Padre Lopes. Apesar de afastado daquela que que considera a sua terra, fico feliz por o saber vivo e bem, apesar dos seus 82 anos.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE
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