Tribuna do Editor
Por Fernando Gonçalves
Uma notícia na primeira página do jornal Notícias de ontem, quinta-feira, dia 17 de Maio, pode para muitos não ter sido nada mais do que uma mera notícia.
Na verdade, era mais do que uma simples notícia. Era sobre o facto da empresa açucareira da Maragra, perto da Manhiça, na província de Maputo, ter privatizado o acesso a Calanga, um posto administrativo do distrito da Manhiça. Não tanto a notícia como tal, mas a foto da placa colocada numa das cancelas, com estes dizeres em língua inglesa, mas que me socorro da tradução feita pelo Notícias: “Aviso. Tome nota. Esta é uma propriedade privada. Proibida entrada sem autorização escrita da administração. Os violadores serão expulsos. A entrada é por risco próprio”.
Ignore, para já, o facto de esta informação ter sido escrita numa língua que possivelmente só os administradores da Maragra entendem. A Maragra é gerida pela maior empresa açucareira da África do Sul, a Illovo, que detém 50 porcento do capital social.
É uma tradição muito anglo-saxónica colocar placas de proibição de entrada em propriedades privadas. O conceito da inviolabilidade do espaço privado é tão nobre que este tipo de placas podem ser vistas em todo o lado nos países que seguem esta tradição. A única diferença com a placa da Maragra é que, no lugar de dizer que “os violadores serão expulsos”, usa-se o termo “trespassers will be prosecuted”, ou seja, “os violadores serão processados”. Tal é a crença na firmeza do sistema de administração da justiça que se acredita que violadores de espaços privados poderão ser judicialmente processados e responsabilizados pelos seus actos.
Chegados a Moçambique, onde a linha de separação entre o espaço privado e o público é praticamente inexistente, e onde a confiança sobre as rodas da justiça é, na melhor das hipóteses, sujeita ao benefício da dúvida, o espaço privado é protegido através dos guardas das várias dezenas de empresas de segurança que pululam por quase todo o lado, sem recorrência aos tribunais, muitas vezes provocando situações de violência.
O conteúdo da placa da Maragra é uma mensagem muito clara sobre como os investidores encaram o sistema de justiça em Moçambique, dando a entender que, sentindo-se ofendidos na inviolabilidade do seu espaço, a sede de resolução do conflito é no próprio local, e se necessário com recurso à violência.
Quando a justiça é deficitária, quando não se tem garantias de que a justiça não só será feita, mas, também, vista como sendo feita, a solução é o “salve-se quem puder”. E, nessas circunstâncias, a placa da Maragra não deve constituir motivo de surpresa.
SAVANA - 18.05.2007