A esquina do tempo
Por LUIS PATRAQUIM
Já havia a “Babalaze das Quizumbas”, José Craveirinha, a ressaca da guerra, a que foi civil, e as outras. Agora chegou outra babalaze via programa “Hiphop Time”, da rádio. E um videoclip que já circula no “You Tube”. Autor: um jovem – Azagaia, de seu nome artístico – e uma letra de arrasar com título em oxímero.
A primeira impressão quando se vê e se ouve este rap – será rap? – “As Mentiras da Verdade”, é a de que o “miúdo” se passou. Saltou-lhe a tampa e resolveu sair à rua para um exercício escatológico total. Jogo demasiado arriscado dada a anárquica circulação do trânsito geral com um número crescente de acidentados. Um homem vai volante do que julga ser a sua verdade e surge-lhe, em sentido contrário, um jeep que colide com ele ou uma kalash, dentro do veículo, que começa a disparar descontroladamente.
Se houvesse um mercado normal, armeiros competentes, licença de porte, jogos de tiro aos pratos e aos pombos, muitos destes acidentes seriam minimizados. Mas não é isso que se passa e um país não pode fazer tudo ao mesmo tempo. A sabedoria bíblica consola-nos e explica-nos o fasear das tarefas, o tempo para amar e o tempo para morrer, etc. Chegará o tempo para a regulamentação legal do comércio das armas. Nessa altura, discutir-se-á qual o modelo a seguir, se o americano, mais saudável, se o europeu, demasiado burocrático e com um espírito controleiro insuportável, ainda por cima protagonizado por países que foram antigas potências coloniais, ou se se adoptará um um modelo nacional tendo em conta a tradição já fortemente arreigada. Estas considerações não são de somenos.
Voltando ao rap – mas será um rap ou um grito de revolta? - é verdade que muita coisa fede, que o jogo das conveniências apõe um véu demasiado hipócrita à evidência gritante de um sem número de disfunções, golpadas, interesses escusos travestidos em interesse nacional – essa sacrossanta categoria que alguém define, proclama e usa urbe et orbi, como uma espécie de bula papal. Se alguém me dissesse que a cor amarela num quadro de Malangatana era verde, claro que eu ficava ou admirado com a peculiar observação ou , no mínimo, chateado. Se um deputado qualquer, inopinadamente amante da pintura – hipótese mais do que improvável – me afiançasse que os célebres girassóis de Van Gogh escondem, não o amarelo que os define, mas um vermelho a tumultuar na cabeça do malogrado artista holandês, e podia perceber que isso é a forma normal de um deputado lidar com a realidade mas não ficaria convencido.
Contudo, e esse é o ponto, já houve tempo em que foi assim.
Hoje assiste-se à revisão da matéria dada. É o que faz este jovem. Vê-se o videoclip e não se acredita: um garboso rapaz, ar de executivo, excelente secretária e pc portátil, indumentária a condizer. E quando se espera o aparecimento de algumas simpáticas miúdas, vestes vaporosas, menear de ancas, sensualidade e alegria tropical, entra-se é numa “pesada”. Uma azagaia mesmo no coração da mentira.
Se eu te dissesse que ele diz coisas terríveis e que faz a mise-en-scène da sua morte não estaria a exagerar. “Passou-se”, como já ouvi dizer a quem viu.
Eu acho que não. Mas também sei que esta coragem pode ter um preço elevado. Vai ser preciso estar atento ao trânsito.
SAVANA - 18.05.2007