Contribuições para a História de Moçambique - por Samora Moisés Machel (1974)
“Queremos chamar atenção ainda sobre um aspecto fundamental: a necessidade de os dirigentes viverem de acordo com a política da Frelimo, a exigência de no seu comportamento representarem os sacrifícios consentidos pelas massas. O poder, as facilidades que rodeiam os governantes podem corromper o homem mais firme.
Por isso queremos que vivem modestamente com o povo, não façam da tarefa recebida um privilégio e um meio de acumular bens ou distribuir favores.”
Aquando da tomada de posse do governo de transição, em 1974, o então presidente da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Samora Moisés Machel, fez um discurso para o Povo, de que, já a seguir, publicamos alguns extractos. Amanhã traremos ao leitor outros excertos desse mesmo discurso. Por hoje o «Canal de Moçambique» fica-se por deixar os leitores com memórias que deixam muito em dúvida a reinvenção do autor das linhas que se seguem num momento em que o rumo que as elites seguem e se parecem diametralmente com o oposto ao que sonhava o primeiro presidente da República “Popular” de Moçambique.
O que dizia então Samora Machel?
“A acção do nosso governo deve ser em primeiro lugar dirigida pela nossa política. Nunca devemos sobrepor a técnica à política.
Isto significa concretamente que em cada unidade produtiva, em cada ministério, em cada serviço público, através de todo o nosso país, o nosso esforço principal deve ser o de desenvolver a consciência do povo no seu destino, a consciência de que a construção de Moçambique, a liberdade, significa trabalho, liquidação da preguiça e da miséria.
Queremos chamar atenção ainda sobre um aspecto fundamental: a necessidade de os dirigentes viverem de acordo com a política da Frelimo, a exigência de no seu comportamento representarem os sacrifícios consentidos pelas massas. O poder, as facilidades que rodeiam os governantes podem corromper o homem mais firme.
Por isso queremos que vivam modestamente com o povo, não façam da tarefa recebida um privilégio e um meio de acumular bens ou distribuir favores.
A corrupção material, moral e ideológica, o suborno, a busca do conforto, as cunhas, o nepotismo, isto é, os favores na base de amizade, e em particular dar preferência nos empregos aos seus familiares, amigos ou a gente da sua região fazem parte do sistema de vida que estamos a destruir. O tribalismo, o regionalismo, o racismo, as alianças sem princípios constituem atentados graves contra a nossa linha e dividem as massas. Porque o poder pertence ao povo, quem o exerce é servidor do povo.
Quem desviar assim a nossa linha não encontrara qualquer tolerância da nossa parte. Seremos intransigentes nesta questão, como o fomos durante os duros anos de guerra. Não hesitaremos nunca em expor perante as massas as acções cometidas contra elas. Os desvios da linha suscitam as contradições, as brechas por onde penetra o inimigo, o imperialismo e as forças reaccionárias.
Para que se mantenha a austeridade necessária a nossa vida de militante e assim se guarde no sentido do povo e dos seus sacrifícios, todos os militantes da Frelimo que receberam tarefas de governação do Estado tal como no passado deve renunciar as preocupações materiais, nomeadamente aos vencimentos. É evidente que por maioria de razão não se pode tolerar que um representante nosso possua meios de produção ou explore o trabalho de outrem.
Combatemos durante dez anos sem qualquer preocupação de ordem financeira individual, empenhados apenas em consagrar toda a nossa energia ao serviço do povo. Está é a característica do militante, do quadro, dos dirigentes da Frelimo. Como o fizemos sempre, de acordo com as nossas possibilidades, procuramos assegurar ao militante que cumpra uma tarefa, o mínimo de condições materiais indispensáveis ao seu trabalho, ao seu sustento e da sua família. Mas também não nos devemos esquecer que muitas vezes combatemos e vencemos descalços, esfarrapados e com fome.
Sublinhamos ainda que, assim como fizemos guerra sem horário de trabalho, sem dias de descanso, nos devemos empenhar com o mesmo espírito na batalha da reconstrução nacional”.
(Samora Moisés Machel – Fundador da República Popular de Moçambique)
(*) Titulo da responsabilidade do «Canal de Moçambique» - 25.07.2007