A talhe de foice
Por Machado da Graça
Uma das coisas que eu não consigo perceber, no nosso país, é a questão das pensões dos antigos combatentes da Luta Armada de Libertação Nacional. O facto de ainda haver muitos que não estão a receber as suas pensões.
Se a Independência tivesse sido há 6 meses, há um ano, eu diria que era natural que esse assunto ainda não estivesse resolvido. Havia outras coisas prioritárias a tratar e essa seria tratada logo a seguir.
Se tivesse sido há 6 anos já a coisa me pareceria muito pouco normal. Se em 6 anos o Estado moçambicano não tinha sido capaz de fazer a lista dos antigos combatentes e de lhes atribuir uma pensão, alguma coisa de muito estranha se estaria a passar.
Se a Independência tivesse sido há 20 anos eu diria que o escândalo era já total. Um Estado que, em 20 anos, não é capaz de fazer o arrolamento dos antigos combatentes e de lhes atribuir uma pensão é porque, pura e simplesmente, se está nas tintas para o problema dessas pessoas. Total e completamente nas tintas.
Quando, passados 32 anos, ainda há combatentes que não têm os seus processos terminados para poderem passar a receber as pensões a que, por lei, têm direito, eu não consigo já dizer nada. Não há palavras para
descrever isto. O absurdo é tão gigantesco que nenhum adjectivo consegue descrevê-lo.
E, pelo meio destes anos todos, foi criada uma Associação dos Antigos Combatentes.
Depois foi criada uma Secretaria de Estado dos Antigos Combatentes.
Depois essa Secretaria foi elevada a Ministério.
E, até agora, ainda há antigos combatentes sem os processos acabados, de forma a poderem começar a receber as suas pensões.
Quantos terão já morrido ao longo destes 32 anos? Quantos, feridos ou mutilados, terão vivido uma vida desgraçada há espera que o Estado os reconheça?
Um combatente que tenha terminado a luta armada com 30 anos, tem hoje 62.
Quantos mais vai ainda viver?
Mas a minha principal pergunta é para o Ministério dos Antigos Combatentes: o que será que se faz nesse ministério? Se ainda não foram sequer capazes de terminar os processos, ao fim destes anos de actividade, o que é que fazem nos seus gabinetes?
Quantos funcionários tem o ministério?
Os salários que recebem pagam o quê?
São perguntas que me coloco ao ler que este problema ainda não está resolvido.
Diz-se que há problemas com documentação. Bilhetes de identidade e outros papéis. Mas 32 anos não chegaram para resolver esses problemas? Fala-se do Ministério da Defesa, do Ministério das Finanças e do Tribunal Administrativo. Em nenhum destes lugares há sensibilidade para acelerar os processos de forma a estas pessoas poderem ter, ao menos, um fim de vida com menos dificuldades?
E há pessoas, segundo dizem alguns antigos combatentes, que nunca pegaram numa arma mas hoje recebem pensões. Esposas de altos dirigentes, com quem casaram já depois da Independência, que hoje recebem pensões de antigo combatente. E, nesses casos, o processo foi rápido e sem demoras.
Os outros, os que arriscaram a vida para libertar o país estão à espera há 32 anos.
32 anos?!
384 meses?!
11.680 dias, se não contarmos os anos bissextos?!
Não haverá, de facto, nenhum resquício de vergonha em quem trata destas coisas?
Depois disso fica ainda uma pergunta na minha curiosidade: e os que recebem, quanto recebem?
SAVANA - 21.09.2007