No âmbito da política europeia de comércio e de desenvolvimento, não há questão mais premente ou politicamente mais sensível do que a de saber como podemos utilizar o comércio para ajudar os países da África, das Caraíbas e do Pacífico a criar economias mais fortes e a pôr termo à sua dependência das preferências comerciais e do comércio de produtos de base.
A solução reside em estimular a confiança das empresas locais e oferecer-lhes mais oportunidades, atrair novos investimentos e estabelecer mercados regionais sólidos. Estes factores, por seu turno, reforçarão a sua capacidade de venderem os seus produtos no mercado mundial. Os Acordos de Parceria Económica que a UE negocia actualmente com as seis regiões ACP foram concebidos com o intuito de ajudar a atingir tais objectivos. Estes acordos transformarão uma relação comercial baseada na dependência numa relação baseada na diversificação e no crescimento das economias.
Mas circulam algumas ideias erradas acerca dos APE que complicam a tarefa daqueles que, nos países ACP, querem e precisam destes acordos. Os que criticam os Acordos de Parceria Económica dizem que a UE está a pressionar as regiões ACP no sentido de concluir as negociações no corrente ano. Não é a UE que está a impor esta data-limite.
O nosso actual regime de trocas comerciais discrimina positivamente alguns países em desenvolvimento - os ACP - em detrimento de outros, o que não é compatível com as regras internacionais do comércio.
Em 2000, prometemos aos países em desenvolvimento não-ACP, quando acordámos as actuais medidas, que criaríamos um novo regime até ao final deste ano. Quando expirar a derrogação legal que esses países nos deram para essas medidas, eles poderão pedir-nos explicações, e falo-ão certamente.
Se não chegarmos a acordo sobre as novas disposições compatíveis com as regras da OMC, teremos de recorrer ao nosso regime de preferências por defeito para todos os países em desenvolvimento, o Sistema de Preferências Generalizadas, que é muito menos generoso do que o regime actual. Contrariamente aos Acordos de Parceria Económica, não ajudará os países ACP a criar mercados regionais, a melhorar os seus produtos ou a promover o investimento.
A UE não ameaça aumentar os direitos aduaneiros em relação a esses países e está a envidar todos os esforços para evitar que tal aconteça.
Nalgumas regiões, há sinais positivos de que chegaremos a um acordo pleno até ao final do ano: abertura ao comércio e normas regionais nos bens e serviços, regras de boa governação económica e assistência específica ao desenvolvimento. Outras ainda não alcançaram este nível de progresso e precisarão de mais algum tempo para chegar a acordos globais.
Mas, em vez de recusar assinar um acordo até todas as componentes das negociações estarem encerradas, dissemos que, se conseguirmos chegar a acordo sobre o comércio de bens, estaremos em regra com os princípios da OMC. Desta forma, preservaremos o acesso preferencial desses países aos mercados da UE. Em seguida, concluiremos as discussões sobre outras partes importantes do acordo no início de 2008.
Somente um acordo global permitirá explorar todo o potencial de desenvolvimento dos APE. Mas alcançar um acordo sobre comércio de mercadorias actualmente permitirá, pelo menos, evitar que haja perturbações no comércio dos países ACP com a Europa.
Aqueles que criticam os Acordos de Parceria Económica alegam que esses acordos abrirão os mercados dos países ACP ao comércio da UE em detrimento das empresas locais e do crescimento local. Mais uma vez, isso não é verdade. OS APE não serão sinónimo de "comércio livre" entre a UE e os países da África e das Caraíbas a partir de 1 de Janeiro do próximo ano, ou a partir de um futuro próximo.
Por parte da UE, os direitos aduaneiros e os contingentes serão totalmente suprimidos, apenas com um curto período de transição para os sectores do açúcar e do arroz. Garantiremos igualmente que não serão concedidas subvenções à exportação a produtos para os quais os países ACP suprimam os direitos aduaneiros. Os países de África, das Caraíbas e do Pacífico terão a possibilidade de proteger e excluir produtos sensíveis e de tirar partido de longos em crescimento e protegerem sectores agrícolas frágeis, se assim o desejarem.
O facto é que as empresas e os investidores da UE não estão a tentar entrar nos mercados dos países ACP. O problema não é o excesso, mas sim a falta de interesse das empresas e dos investidores da UE por estes mercados.
O que está em causa neste processo não é só o comércio, mas antes conciliar reforma económica com ajuda ao desenvolvimento. Queremos criar mercados regionais e atrair novos investimentos.
Os países da África, das Caraíbas e do Pacífico poderão não só continuar a beneficiar anualmente de centenas de milhões de euros para ajuda ao desenvolvimento - no total, 23 mil milhões de euros até 2013 - como serão os grandes beneficiários da decisão de aumentar para 2 milhões de euros por ano as despesas consagradas pela Europa à ajuda ao comércio, sendo dada prioridade a medidas que contribuam para aplicar os Acordos de Parceria Económica.
As negociações dos Acordos de Parceria Económica confrontam-nos, sem dúvida, com questões difíceis.
Estamos a reconstruir uma relação económica que vigora há muitos anos. No entanto, ninguém acredita que o status quo funcione. A dependência da África de alguns produtos de base deixou-a muito aquém da Ásia e da América Latina em termos de redução da pobreza e de crescimento económico. Pedir o fim das negociações dos APE quando não existe uma alternativa credível é pôr em jogo os meios de subsistência daqueles a quem estamos a tentar ajudar.
Alguns não gostam sequer da ideia de que os países ACP possam sentar-se à mesa das negociações com a Europa para negociar um acordo comercial. Talvez isso não convenha aos europeus que preferem caricaturá-los como países fracos e indefesos. Mas os próprios países ACP reiteraram por diversas vezes que estão empenhados em alcançar os objectivos visados pelos Acordos de Parceria Económica.
Claro que é fundamental desenvolver um debate sobre os APE. Mas os que insinuam que os Acordos de Parceria Económica são um perigo para o desenvolvimento não só laboram num erro como também comprometem os esforços dos que, em África e noutros países ACP, procuram trabalhar de forma construtiva para uma reforma económica e para o estabelecimento de uma nova relação comercial e de desenvolvimento com a Europa.
* Peter Mandelson e Louis Michel(Comissários da UE responsáveis pelo Comércio e pelo Desenvolvimento)
VERTICAL - 25.10.2007