Por estas alturas há dois anos, na primeira página deste jornal, rasgávamos com o título “É nossa!”, referíamo-nos ao protocolo assinado então em Lisboa, estabelecendo as bases para a reversão de Cahora Bassa para a gestão moçambicana. Era um passo significativo num longo e sinuoso processo negocial que sem exagero deve ter envolvido algumas centenas de funcionários superiores e subalternos dos vários Governos de Portugal e de Moçambique.
A partir do dia 26 de Novembro, Cahora Bassa passa a ser mesmo nossa, um novo activo de imenso valor para o futuro desenvolvimento de Moçambique. Com a assinatura do acordo de pagamento a Portugal dos 700 milhões de dólares acordados para a operação de reversão, fica encerrado o último contencioso resultante das relações coloniais entre Moçambique e Portugal.
É um acontecimento de longo alcance para os dois países e povos. Com este acontecimento, Portugal liberta-se de uma longa herança colonial para passar a concentrar-se nas suas questões internas e na consolidação da sua integração como membro da União Europeia.
Por seu lado, Moçambique passa a dispor de um valioso instrumento que deverá contribuir para o seu desenvolvimento.
Cahora Bassa é o maior e o mais valioso empreendimento realizado por uma potência colonial em África. Na verdade, Moçambique está a herdar uma jóia. Cahora Bassa deixa de ser um empreendimento que está em Moçambique para passar a ser um empreendimento moçambicano.
A diferença entre ser um empreendimento moçambicano e ser um empreendimento que está em Moçambique é que, nesta última condição, o estar em Moçambique não significa absolutamente nada para os interesses do país. Quem determina os moldes em que se aplica a energia ali gerada é o proprietário do empreendimento, neste caso Portugal, ficando Moçambique apenas a beneficiar de uma insignificante renda.
É este o cenário que se altera a partir da próxima semana. Será Moçambique quem passará a determinar o que fazer e como, com a energia eléctrica gerada pela barragem, beneficiando das receitas resultantes das vendas na proporção das suas acções, que com este acordo passa de 18 para 85 porcento. É, de facto, uma viragem extraordinária.
Mas de que vale uma jóia se mal tratada? Nada. Com todo o seu potencial energético, que poderá duplicar com a construção da central norte, Cahora Bassa não representará nada para os moçambicanos se não for submetida a uma gestão criteriosa, prudente e virada para a maximização de rendimentos.
Para que Cahora Bassa sirva os interesses de Moçambique e dos moçambicanos é importante que ela não seja encarada como um centro de profligacia, de onde dinheiro é drenado para financiar dos mais dúbios projectos, como tem acontecido com algumas das nossas empresas públicas, onde o nepotismo e o compadrio estão também na ordem do dia.
Exemplos abundam no mundo, de países abençoados com imensos recursos naturais, mas cujos povos ainda vivem na angústia da pobreza e da privação, enquanto os seus con-cidadãos mais privilegiados vivem na maior, com contas domiciliadas e fantásticas propriedades no estrangeiro.
Neste momento em que assumimos o controlo de Cahora Bassa, é importante que não nos deixemos embalar na euforia da auto-congratulação. Geri-la como um empreendimento económico viável é um desafio a que não nos podemos dar ao luxo de não vencer. Por agora, parabéns a todo o povo moçambicano.
SAVANA - 23.11.2007