Ex-Banco Austral continua a cobrar mais que o Estado
… Governo solicita assessoria privada para lhe ajudar a perseguir devedores desonestos
Por Francisco Carmona
O Estado moçambicano continua, aparentemente, a enfrentar fortes barreiras para cobrar os mediáticos créditos malparados que quase empurraram o ex-Banco Austral à bancarrota, após uma gestão calamitosa movida pelos malaios da Southern Bank Berhad (SBB) em parceira com grupos moçambicanos próximos da nomenklatura.
Segundo o Relatório e Parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE), libertado no passado mês de Novembro, mas reportando contas de 2006, no âmbito do processo de reprivatização do Banco Austral, foram transferidos para o Estado, a 08 de Agosto de 2002, 70 processos de créditos malparados provisionados em 100 por cento pelo Estado.
Ao que o SAVANA apurou, estes processos provisionados pelo Estado ao equivalente a cerca de USD14 milhões de dólares (pouco mais de 346,902 milhões de meticais ao câmbio médio de 25 meticais) foram considerados como os mais “quentes” e “difíceis de cobrar”.
Recorde-se que é opinião comum que parte dos processos nas mãos do Estado e que os sul-africanos declinaram manter a sua responsabilidade depois da compra do banco terão sido o móbil que precipitou a violenta morte de António Siba-Siba Macuácua, então PCA interino da instituição.
Contudo, os sul-africanos sempre evitaram, publicamente, avançar as razões para tal atitude, mas presume se que por “difíceis de cobrar” tenham considerado a importância e a influência política dos prevaricadores.
FMI e Banco Mundial
Sabe-se que durante as negociações para a reprivatização do agora Barclays Bank Moçambique, o FMI e o Banco Mundial, entidades que assessoraram o Estado no mais complexo processo bancário, para tornar o banco apetecível, persuadiram o Governo a chamar a si a cobrança dos mesmos, tendo o Grupo ABSA ficado com os considerados “menos difíceis”, ou seja, o chamado “peixe miúdo” aparentemente sem nenhuma influência política.
Segundo o Tribunal Administrativo (TA), dos 70 processos nas mãos do Estado, quatro findaram por cobrança, 10 encontram-se na fase de petição inicial, 13 foram submetidos ao Juízo das Execuções Fiscais, sendo que três devedores já foram citados, dos quais um encontra-se na fase de penhora. Acrescenta que os remanescentes 43 processos foram canalizados à execução judicial comum, encontrando-se dois com despacho inicial do juiz, quatro em oposição, 23 na fase de citação, 10 em penhora e quatro na fase de pagamento.
Mas o mais inquientante é que, em termos acumulados, até ao fim de 2006 o Estado recuperou apenas os inexpressivos 26,394 mil meticais e mais USD240,500, totalizando cerca de 32,600 mil meticais, o equivalente a 9,4 porcento sobre o valor que o Estado deveria ter cobrado desde 2002.
Estas constatações do TA vêm contrariar as declarações do, então, governador do Banco de Moçambique (BM), Adriano Afonso Maleiane. É que, em Outubro de 2001, Maleiane afirmou que a cobrança dos créditos malparados não parou nem abrandou após a morte violenta de António Siba-Siba Macuácua. Acrescentou, Maleiane, que, desde Abril de 2001, se cobravam em média, 14 milhões de meticais /mês. No entanto, os dados reflectidos nos vários relatórios do TA mostram o contrário.
Inoperância do Estado?
Entretanto, segundo dados em nosso poder, os proprietários do ex-Banco Austral estão a cobrar mais do que o próprio Estado, apesar de este último possuir instrumentos capazes de forçar qualquer um a pagar o que deve.
No tocante aos processos, cuja cobrança está sob responsabilidade do Banco Austral, até 31 de Dezembro de 2002, o Estado tinha provisionado 1,263,900 mil meticais da carteira de créditos.
No entanto, em termos acumulados, o Banco Austral já recuperou, a favor do Estado, cerca de 460,700 mil meticais (USD18,4 milhões). Deste valor, os sul-africanos transferiram um montate líquido avaliado em 306,800 mil meticais (USD12,3milhões), depois de deduzidos os custos e comissões devidos ao banco.
“Comparando o montante provisionado pelo Estado em 2002, com o valor líquido recuperado até 31 de Dezembro de 2006, constata-se que este representa 24.3% do valor provisionado. Trata-se de uma percentagem significativamente superior à referida em relação às cobranças sob responsabilidade do Estado”, sublinha o TA.
Solicitado pelo auditores do TA a esclarecer as causas dos atrasos na cobrança dos créditos malparados, o
Governo afirmou que por concurso público restrito foi apurado a empresa PriceWater House&Coopers (PWC), que deverá assessorar o Ministério das Finanças a perseguir os devedores desonestos. Contudo, esta empresa, segundo consta no relatório, solicitou “algum tempo” para reexaminar os termos de contrato.
Recorde-se que a principal causa dos prejuízos financeiros que afectou aquele que também já foi chamado de Banco Popular de Desenvolvimento foi a pesada carteira de créditos malparados, originada por uma gestão danosa da anterior administração, que concedeu créditos e financiamentos incompatíveis com as disponibilidades financeiras da instituição. Muitos dos créditos foram concedidos a figuras próximas do partido Frelimo, no poder desde a proclamação da independência, onde se assistiu a uma empresarialização duvidosa desta nomenklatura.
Depois da intervenção do BM, quando o ex-Banco Austral já caminhava para a falência, o Estado teve que recorrer ao dinheiro dos contribuintes avaliado em USD150 milhões para sanear o banco, e vendê-lo aos sul-africanos do ABSA, que ficaram com 80% das acções.
Apelos
Como já se tornou norma nos sistemáticos relatórios do TA, os auditores voltaram a chamar a atenção ao Governo quanto à necessidade de observar estritamente a legislação sobre esta matéria.
Diz, o TA, que persiste a falta de registo na contabilidade pública do valor bruto recuperado no ano como uma receita, e dos custos e comissões como despesa.
Para o TA, a ausência de inscrição no Orçamento do Estado, tanto da receita como da despesa, pelos seus valores líquidos, viola os princípios de universalidade e da não compensação, consagrados, respectivamente, nas alíneas c) e e) do nº 1 do artigo 13 da Lei nº 9/2002, de 12 de Fevereiro.
SAVANA - 21.12.2007
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