Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Nunca vi tantas vezes pronunciada colectivamente a palavra africanos como o último fim de semana quando em Lisboa se abraçaram os representantes oficiais de África e da Europa.
Embora a expressão tenha algum sentido, não deixa de ser redutor o sentido com que ela é utilizada a maior parte das vezes. É que muitas vezes esse substantivo colectivo é utilizado para definir um conjunto de características, pensares, sonhos e ambições cristalizado numa redutora uniformidade. E certamente que todos concordarão que é difícil definir da mesma forma, africano em Moçambique e na Mauritânia. Se todos os africanos pensassem e sentissem da mesma maneira estaríamos todos a bater palmas pela reversão de Cahora Bassa. E, no entanto, a África do Sul mandou ao Songo um modesto vice-ministro para cumprir protocolo, numa festa que o Moçambique oficial fez questão em sublinhar que era sentida “do Rovuma ao Maputo”. Logo há pensares diferentes, há interesses que não têm necessariamente que ser idênticos.
Da mesma maneira é necessário precisar de que africanos estamos a falar quando se fala de questões da mulher, do género como é agora é de bom tom pronunciar. Ser africano é seguir as boas práticas internacionais, seguir a modernidade e promover a igualdade de oportunidades ou é praticar a excisão sexual e o tchador ?
Como mais provocativamente poderíamos questionar se o que define a africanidade é andar de camelo ou avestruz ou dar uma “facadinha” à tradição, mandar cá para fora mais umas gramas de CO2 num bruto carrão de vidros espelhados, direcção assistida e a indispensável tracção a todas as rodas? O que une Kadafi e Guebuza ? e Bokassa e Tomas Sankara? Formalmente todos ostentam ou ostentavam bonitos passaportes africanos. Será que um africano do Paquitequete em Pemba pensa da mesma maneira que um sul-africano de Sandton em Joanesburgo. Será que as suas ambições são as mesmas? Com estas diferenças é lícito produzirem-se afirmações mais ou menos controversas, mais ou menos redutoras que os africanos são tendencialmente a favor da pena de morte ? dos espancamentos domésticos porque em casa manda ela e nela mando eu?
Passando para outros continentes. Será que os canadianos e os mexicanos não podem reivindicar os estatuto de americanos ? e os brasileiros, não vivem na América do Sul?
Deveria agora enumerar um sem número de explicações que incluísse etnias, grupos sociais, culturas para explicar o mosaico que é África e são os africanos, da mesma maneira que não pode haver essa entidade complexa de Europeus, ou Americanos, ou simplesmente Ocidentais.
Há certamente traços de união, linhas mestras, fios condutores. Mas, pelo sim e pelo não, na próxima vez que utilizar a expressão “africanos”, pense duas vezes no que efectivamente quer dizer.
SAVANA - 14.12.2007