A talhe de foice
Por Machado da Graça
Muitos dos meus leitores comentam que eu trato muito mal os sabujos. Que os desprezo e coisas no género.
Ora não há nada de mais errado do que esse pensamento.
Dos sabujos o que eu tenho é pena. Principalmente dos que obtêm o seu pão, e a abundante manteiga, trabalhando em orgãos de informação.
Por vezes choro, até, e o meu coração deita sangue ao pensar na triste vida que é, muitas vezes, a de um sabujo.
Tudo porque não são poucas as vezes que aqueles a quem o sabujo pretende agradar têm coisas mais importantes a fazer do que explicar claramente aos sabujos quem devem atacar e quem devem defender.
O caso mais grave é quando o sabujo faz os possiveis por engrandecer um determinado elemento do Poder e descobre, no dia seguinte, que esse elemento acaba de ser exonerado ou, pior ainda, demitido. Porque quem demite e exonera nunca se lembra de avisar antecipadamente os seus sabujos.
O que causa problemas, como é óbvio.
Se andamos a dizer, com convicção, que determinada coisa é amarela, não é nada facil, na edição seguinte, explicar que a mesma coisa é verde, com a mesma convicção.
Há até sabujos que, coitados, ganham úlceras de estômago por causa destas coisas.
E aqueles pobres sabujos, ainda em inicio de carreira, que só recebem pontapés daqueles a quem querem agradar? Uma tristeza. Até o sabujo ganhar nome e posição, ser reconhecido como o sabujo que é, quantas humilhações, quantos sapos a engolir...
Mas a verdade é que sabujo que queira subir na carreira, aproximar-se daqueles que bajula, tem que ter um estômago de aço. Conseguir engolir sapos e até animais muito maiores e mais repelentes. E isso parece só se conseguir à custa de muito exercício, muito inclinar da espinha dorsal, muito falar pelo canto da boca, muita capacidade para fazer as coisas mais humilhantes desde que, com isso, consiga um sorriso do chefe, até mesmo uma palmadinha amigável, ponto alto de uma carreira de sabujo.
Como os sabujos invejam os cães por não terem uma cauda que possam abanar para mostrar o seu agrado pelas palmadinhas do dono! Que ginásticas têm que inventar para fazer aquilo que qualquer rafeiro consegue com um simples mover da cauda. São os sorrisos, as vénias; são os elogios, os louvores, as declarações claras e indesmentíveis de fidelidade.
E julga o leitor que tudo isto não custa? Que não é necessário gastar tempo em exercícios, em frente ao espelho, recitando frases redondas de onde sobressai todo o génio e infalibilidade do chefe, do patrão, do lider?
Pobres sabujos. Como eles se esforçam por mostrar serviço, por mostrar que são eles os melhores a fazer as tarefas mais degradantes ao serviço de quem manda.
Como eles se auto-diminuem para fazer ressaltar quem lhes paga.
Mas, é preciso dizê-lo, muitos moçambicanos são pessoas que não viram a cara a este tipo de dificuldades. Se é preciso rastejar, rastejam. Se é preciso lamber botas, lambem, por muito sujas que elas estejam. Se é preciso glorificar uns, glorificam. Se o chefe manda espezinhar outros, alegremente espezinham.
Sempre com um espírito de servir. Sempre tentando ser servis.
Frequentadores assiduos das consultas de ortopedia, devido aos problemas de coluna vertebral que as constantes mesuras lhes provocam, nem isso os afasta da carreira escolhida. Humildes na vénia, lingua enrolada nos elogios e, até, nos sentidos pêsames enviados em ocasiões oportunas.
Espero, portanto, que os meus leitores pensem melhor antes de mostrarem desprezo por pessoas destas.
Porque eles fazem falta nas sociedades. São eles quem deita o óleo sobre o qual deslisam os poderosos. São as lambedelas deles que fazem brilhar sapatos e medalhas.
E quem somos nós para negar elogios a tão relevantes membros da nossa sociedade?
Não somos ninguém, é bem óbvio.
SAVANA - 30.11.2007