Por Marcelo Mosse
O conhecido jornalista Paul Fauvet, meu amigo, editor de língua inglesa da Agência de Informação de Moçambique (AIM), escreveu um artigo em que ataca veementemente a Justiça Ambiental, dizendo que a nossa organização está a advogar contra o desenvolvimento socioeconómico de Moçambique. Num artigo sob o título “Mphanda Nkuwa: Ameaça ou oportunidade”, publicado no serviço inglês da AIM, a 26 de Novembro, Paul Fauvet diz que correntes ambientalistas moçambicanas [WINDOWS-1252?]– e menciona apenas a JA - estão a realizar uma campanha para privar Moçambique de uma das suas “mais atractivas potenciais fontes de electricidade”.
Para ele, Mphanda Nkuwa não é um mau projecto porque: i) é uma fonte atractiva de energia; ii) vai possuir uma albufeira menor que a de Cahora Bassa ou Kariba; iii) vai desalojar apenas umas 1400 pessoas, as quais até vão ser compensadas e vão ter oportunidade de emprego na barragem; iv) vai empregar na fase da construção 3000 trabalhadores temporários e 80 permantes na fase de operações; e v) a albufeira vai ser alvo de pesca semi-industrial e vai haver novas estradas e uma ponte sob o rio na zona.
Estas são tentativas de resposta à parte dos argumentos que temos vindo a esgrimir, os quais vão vão mais longe que os pontos que Paul Fauvet tenta responder. Por exemplo, o papel de Mphanda Nkuwa na mitigação das cheias vai ser nulo, justamente por causa do tamanho reduzido da sua albufeira. De contactos recentes com cientistas que lidam com rios e barragens podemos apurar o seguinte: não é provável que o pequeno reservatório a ser erguido em Mphanda NKuwa vá conseguir conter cheias catastróficas no caso de as barragens de Kariba e Cahora Bassa libertarem imensas quantidades de água em tempo de cheias.
Em suma: o argumento de que Mphanda Kuwa poderá acomodar as águas das cheias é incorrecto, pois a projectada barragem é, por desenho, aquilo a que os especialistas chamam de run-of-river, com poucas possibilidades de atenuação de cheias. E essa característica de run-of-river foi destacada com ênfase na apresentação recente do projecto pelo consórcio Camargo Correia/EDM e Energia Capital (do grupo Insitec), que foi pago pelo Governo com parte dos fundos que a brasileira Companhia do Vale do Rio Doce pagou ao Estado pela concessão da exploração do carvão de Moatize, os tais 128 milhões de USD que nunca contabilizados no Orçamento do Estado).
É justamente por causa dessa característica que é completamente descabido estar ao mesmo tempo querer considerar-se que a barragem vai conseguir armazenar em grande quantidade as que desçam da montante.
O artigo de Paul Fauvet não responde às consequências nefastas que temos vindo a identificar ao longo destes anos. Temos vindo a falar de uma variedade de riscos (económicos, sísmicos, ecológicos, sociais) e as respostas às nossas inquietações ainda não foram dadas. Infelizmente, este espaço editorial é tão ínfimo para voltarmos a detalhar os nossos argumentos.
Um dos pontos levantados pelo artigo da AIM é o de que a nova hidroeléctrica oferece soluções para uma crescente demanda de energia necessária para o desenvolvimento económico de Moçambique. A Justiça Ambiental tem sido acusada de estar numa barricada contra o desenvolvimento económico, mas isso não é verdade. A nossa missão é advogar para soluções energéticas amigas do ambiente. E em África temos, felizmente, precedentes de projectos que apontam para essa direcção, diferentemente de Mphanda Nkuwa.
Podemos citar alguns: um projecto de central à base de energia solar com a capacidade de geração de 100 megawatts na África do Sul; um imenso projecto de natureza “geothermal” no Quénia; uma hidroeléctrica de escala reduzida no Uganda.
Aliás, a própia Eskom, a quem se pensa que Mphanda Nkuwa vai servir, está a ponderar ir buscar energia a uma central à carvão no Botswana e a uma central à gás na Namíbia.
A nossa abordagem não é contra o desenvolvimento do país; contra o combate à pobreza. A nossa abordagem é a favor de um desenvolvimento sustentável que contemple também as futuras gerações e a protecção da ecologia. Paul Fauvet pergunta que alternativas é que a JA propõe? Considerando que Moçambique pode ter reservas enormes de gás natural, a crer na avalanche prospesctiva que está agora a acontecer na bacia do Rovuma e no delta do Zambezia, mas também em regiões on shore à norte de Sofala, as alternativas podem vir daí. A quantidade potencial de gas natural pode ser uma fonte de energia eléctrica limpa e com limitados impactos ambientais.
E é notável que o Governo esteja ja a trilhar por este caminho, nomeadamente através da autorização dada, este ano, pelo Ministério do Ambiente à Electricidade de Moçambique e à Intelec Holdings (empresa onde o Presidente Armando Guebuza é sócio, a par do homem forte da CTA Salimo Abdula) para avançarem com um projecto de instalação de uma Central Térmica à Gás Natural de Ciclo Combinado para a produção de energia elétrica até cerca de 1000 mw, usando as potencialidades do gás de Temane.
A questão crucial aqui nem é o facto de essa parceria público-privada (uma expressão muito em voga nos discursos do Presidente da República) não ter ido a concurso público, mas simplesmente o facto de que se trata de um projecto de produção de energia numa perspectiva ambientalmente saudável. Coloca-se então a questão: este novo projecto, que envolve igualmente a construção de redes de alimentação que chegarão inclusive à Africa do Sul é suficiente para que Moçambique satisfaça uma demanda eventualmente crescente de energia?
E se se encontrarem sinais concretos de existência de gás natural no Rovuma (como ja se encontraram sinais de petróleo, segundo a americana Anadarko confidenciou ao Presidente da República em Houston, Texas, em Setembro), haverá razões económicas para se avançar com a famigerada barragem, que economicamente é um bluff?
Para nós, as estações à gás natural de ciclo combinado são uma clara alternativa às hidroeléctricas. E também cremos que o desenvolvimento da estação norte de Cahara Bassa seria uma opção mais costeffective que Mpandha Nkuwa – se pensarmos não apenas sob o ângulo do desenvolvimento sustentável, mas também sob a perspectiva da dívida pública, mesmo não sendo ainda claro que tipo de engenharia financeira o Governo está a pensar para trazer os biliões de USD que a hidroelétrica de Mphanda Nkuwa precisa para ser erguida, sendo que o chinês Exim Bank está reluntante a entrar no negócio.
Por último, devemos dizer ao Paul Fauvet que não é verdade que os documentos sobre Mphanda Kkuwa sempre estiveram disponíveis. A Justiça Ambiental tem vindo a tentar obter o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) detalhado e nunca obteve uma resposta positiva. O acesso efectivo à informação pública não acaba na efemeridade de um seminário nem em consultas de gabinete de pouco mais de meia hora. O acesso à informação implica termos cópias integrais de toda a documentação referente ao projecto em causa e isso, caro Paul Fauvet, ainda não está a acontecer. Se o Paul Fauvet tiver uma cópia integral do EIA de Mphanda Nkuwa, por favor, partilhe-a connosco.
Há ainda muito secretismo na forma como o Governo aborda os negócios do Estado. Quem viu a entrevista do ministro da Energia na STV na terça- feira, pôde concluir que Salvador Namburete pensa que o que o Estado paga às empresas de consultoria não pode ser relevado. Por falar em dinheiros, é público que o Governo já gastou 20 milhões de USD só com estudos, mas ,curiosamente, no passado dia 29 de Outubro o Ministério da Energia fez publicar um anúncio no Notícias para mais consultorias sobre Mphanda Nkuwa, estudos que vão ser financiandos com créditos do Banco Mundial, que todos nós vamos ser obrigados a pagar.
Marcelo Mosse é Coordenador Executivo do Centro de Integridade Pública
*Este artigo foi publicado originalmente no suplemento “País Verde”, da Justiça Ambiental. Foram feitos posteriormente alguns arranjos e acréscimo de notas de enquadramento.
SAVANA - 14.12.2007
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