Quando a paciência do povo esgota
Por André Catueira, em Manica
Uma violenta revolta popular paralisou sábado último a vila ferroviária de Gondola, província de Manica, com a população a contestar a impunidade de criminosos que, na sua óptica, conta o compadrio do procurador distrital, Pompílio Xavier. A Policia foi obrigada a disparar para acalmar os ânimos já mais vista localmente que paralisou, por oito horas, o hospital distrital.
A privatização da justiça em Moçambique é uma prática legitimada pela população e que a ela recorre não, só para responder a uma situação de escalada de crime, mas também para protestar contra a inoperância do Estado, em particular da máquina da justiça. O incidente de Gondola é exemplo acabado.
Segundo apurou o SAVANA no local, a revolta popular aconteceu após vários e constantes apelos dos manifestantes às estruturas administrativas sobre a alegada impunidade de criminosos e a má actuação do sector da justiça em Gondola.
Paus e picaretas
Tudo começou quando uma multidão equipada de paus, picaretas, catanas e pedras irrompeu, sábado, o recinto do hospital distrital de Gondola para linchar nove supostos ladrões que se encontravam a receber tratamentos. A quadrilha, em perseguição, escapara de um linchamento precedido por uma orgia de pancadaria organizada por populares no bairro Josina Machel, depois de surpreendida em flagrantes assaltos a residências durante a noite do dia anterior.
A rápida intervenção da Polícia conseguiu abortar a invasão popular às enfermarias do hospital. Para garantir a segurança dos restantes pacientes internados, os supostos ladrões passaram a receber tratamento nas casa de banho do hospital, até a altura da sua evacuação para a Penitenciária Agrícola de Chimoio, vulgo “Cabeça de Velho”.
O confronto entre a Polícia e os manifestantes foi violento, tendo resultado em 18 pessoas feridas, três das quais em estado grave, porque atingidas por balas disparadas pela força policial para dispersar os manifestantes. Do lado da PRM, seis agentes contraíram ferimentos, depois de fortemente apedrejados pelos revoltosos.
Ficaram igualmente danificadas sete viaturas, incluindo duas da PRM e um do enviado do governador provincial, Maurício Vieira, para acalmar os ânimos.
Os manifestantes também barraram a Estrada Nacional Número 6 que liga Beira a Machipanda, por forma a impedir a evacuação dos malfeitores para um local foram do raio do seu controlo.
“Amnistias” do procurador suspeitas
Os manifestantes acusam o procurador distrital de Gondola, Pompilio Xavier, de absolver criminosos denunciados pela população, mesmo quando encontrados em flagrante e encaminhados às instâncias de justiça.
Acusam ainda aquele magistrado do Ministério Público de ser proprietário de duas quadrilhas de assaltantes com quem partilha os dividendos das suas investidas. Quando encaminhadas à procuradoria distrital, sempre são absolvidas alegando-se falta de provas, acrescentam os revoltosos.
“Por várias vezes, o procurador mandou, telefonicamente, ordens de soltura ao comandante distrital da PRM de Gondola, Valentim Wilson, para libertar os supostos ladrões, quando neutralizados pela população e entregues a Polícia”, disseram fontes próximas da PRM.
“A última vez (18 de Setembro 2007) o comandante da PRM desacatou às ordens do magistrado, tendo este o ameaçado por um processo de desacato às estruturas superiores”, acrescentaram.
Instando a reagir às acusações que pesam sobre sí, o procurador distrital de Gondola, Pompilio Xavier, disse que era ainda inoportuno pronunciar-se, dado que algum trabalho terá que ser feito por uma equipe de inspecção para se apurar a veracidade dos factos.
Administradora indignada
“Depois de muitas denúncias da população, sem querer me intrometer em assuntos de justiça, eu pessoalmente mantive conversa com o procurador distrital sobre a sua actuação”, conta a administradora do distrito de Gondola, Catarina Dinis.
Segundo a fonte, a situação não mudar até que “a população perdeu a crença e paciência e resolveu fazer justiça pelas suas próprias mãos. Mas a sorte é que conseguimos evitar o pior”.
Triste procurador
A PRM em Manica, na voz do respectivo porta-voz, Pedro Jemusse, afirmou que o facto ocorrido na vila de Gondola, prova a ineficiência de alguns magistrados, situação que ultrapassa a actividade da polícia no combate ao crime naquela região.
“A situação é preocupante, dificilmente podemos combater o crime e trazer a tranquilidade necessária para os populares desta maneira”, disse Jemusse, numa clara alusão às solturas arbitrárias de malfeitores pela procuradoria local.
Jemusse, sem querer legitimar a justiça popular, afirmou que os indivíduos ligados ao crime e reivindicados pela população no hospital local, são reincidentes e faziam parte de três quadrilhas de assaltantes com o recurso a instrumentos contundentes.
Face a esta situação, o porta-voz da PRM em Manica vincou a necessidade de se encontrar uma solução entre a PRM e a Comissão Provincial de Legalidade o mais breve possível, de modo a evitar que actos de género não venham a acontecer futuramente.
Até princípios da semana, permanecia na vila de Gondola um contingente policial destacado a partir de Chimoio para conter a situação no local.
Segundo o porta-voz da PRM, o referida força vai permanecer até se declarar o abrandamento efectivo da criminalidade em Gondola.
SAVANA - 21.12.2007