Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Fui um daqueles que achei que estava praticamente tudo dito sobre Cahora Bassa. Quando decidi pôr-me a caminho do Songo tinha na cabeça que ia para uma daquelas cerimónias que acontecem uma vez na vida, mas que nem por isso deixava de ser um ritual “corta-fita”.
As sirenes, os 4x4 e o vaivém de aviões e helicópteros, logo pela manhã de terça-feira deramme a certeza que tudo ia ser como estava escrito no programa previamente distribuído. Como previamente tinha sido dito que estava tudo acordado e que o cheque estava pronto para ser transaccionado.
O que se passou, o que aconteceu nas horas que antecederam o anúncio presidencial sobre Cahora Bassa, já é do domínio público nos seus contornos generalistas. O que era para ser uma estória sem estória, passando ao lado do que fica para a história, acabou por combinar uma estória suada com a História. Enquanto uma dezena de delegações aguardava no ar condicionado que chegassem as boas notícias de Maputo, havia matéria a rodos entre as certezas e conjecturas que partiam da capital. E é obra ter todo o mundo à espera – incluindo vários chefes de Estado – até que a tinta das canetas impressionasse umas tantas folhas de papel que, por sua vez, puseram finalmente em marcha o ritual no Songo.
Para os cínicos foi mais uma trapalhada. E houve várias ao longo do percurso, incluindo a troca de pastas com o discurso presidencial perante as câmaras de televisão, quando Guebuza proclamou a primeira vez “é nossa” a partir do Conselho Executivo de Maputo numa tarde solarenga de Outubro de 2006.
Quando o fenómeno se repete e ameaça tornar-se rotineiro – a começar pelas toscas interpretações da Constituição – é lícita a interrogação sobre métodos e rotinas nos processos decisórios, circulação de informação e competências nos diversos escalões do que constitui a máquina do regime.
E melhor que palavras escolhidas para encontrar conforto na justificação, é melhor cortar caminho e dissecar alguns dos vectores que possam explicar as desafinações e percalços em que se tem visto envolvida a máquina que difunde e representa o poder.
É costume, é quase auto-justificativo colocar-se a precariedade como explicação da imperfeição e do desconseguido. Apesar do jargão que diz que trinta e dois anos na vida de um país é muito pouco, trinta e dois anos são milhares de adultos que foram à escola, à universidade, que entraram no circuito do emprego e do trabalho, que sistematizaram rotinas, que são supostos de enfrentarem a lógica da competência e da selecção dos mais hábeis.
Quando a revolução – que é suposta virar tudo de pernas para o ar - há muito que está encaixotada e esquecida, se há desfuncionalidades e curtos-circuitos é preciso descobri-las e escalpelizá-las. Entrar no faz de conta mascarado de frases poderosas (mas repetitivas) é outra forma de deixa andar num país que precisa desesperadamente de caminhar em frente.
Samora – que era arguto e perspicaz – costumava falar das gotas de orvalho como o detalhe e o pormenor onde pode ver a essência das coisas. Talvez não seja má ideia meter lupa em cima das trapalhadas acumuladas e tentar descobrir o fio condutor à confusão.
Para benefício de todos !
SAVANA - 30.11.2007