Jardo Muekalia
Echos de Angola
A ditadura é a antítese da democracia
Washington - A situação pós-eleitoral que se criou na República do Quénia, vem mais uma vez, pôr a nu a fragilidade das instituições democráticas africanas e desenterrar as velhas dúvidas sobre a compatibilidade da democracia com a cultura e tradição Africanas.
Quero realçar que é triste e revoltante, ver aquelas imagens de gente de todas as idades com trouxas a cabeça, rostos transformados pelo medo, corpos amordaçados pela dor e um olhar incerto, procurando entender o que se passa á sua volta. Com ou sem razão, aqueles cidadãos afectados pela trágica situação, passam a associar as eleições com a violência. Mais grave ainda, de outros cantos do continente, da Europa e da América, surgem vozes de chamados peritos, que põem em questão a democracia na África sempre que se deparam com situações idênticas. Quero ousar discordar e oferecer a minha opinião.
O problema não é da incompatibilidade da democracia com a cultura ou tradição Africanas. O problema não é da adaptabilidade do povo à democracia.
O problema não é do analfabetismo. No meu entender, o problema é dos governantes e do aproveitamento que fazem de tais situações. A democracia pressupõe a existência de governantes que acreditem nos valores
democráticos, lideres políticos que valorizem a vida humana, e busquem o poder como instrumento para proteger e promover o bem comum. Lideres desta estirpe, não teriam dificuldades de falar da transparência na gestão dos processos eleitorais, procurariam a participação mais ampla de todos interessados. Este tipo de líderes não estranharia apelos a transparência nos fluxos das finanças públicas, não teriam ciúmes de uma sociedade civil dinâmica ou de uma imprensa livre e actuante. Antes pelo contrário, seriam os principais promotores da sociedade civil e dariam prioridade a investimentos na educação formal e cívica dos cidadãos. Enfim, líderes democratas, acatariam sem rodeios a vontade expressa pelo povo em eleições
realmente livres e justas. A transparência é a arma mais potente que existe para proteger a democracia.
Quando os processos são participados e transparentes, todos os actores aceitam os resultados como reflexo da vontade dos eleitores. Havendo dúvidas, a transparência ajuda a esclarecê-las usando os processos e métodos previamente acordados. A fuga à transparência, indicia maldade e cria o germe de conflitos em qualquer parte do mundo.
Isto leva-nos a perguntar porque é que custa tanto aos poderes instituídos do nosso continente falar de transparência dos processos eleitorais? Porque è que os poderes instituídos procuram sempre atropelar a lei na condução dos processos eleitorais? Por que è que os poderes instituídos reagem sempre violentamente às exigências de verificação de certos procedimentos eleitorais feitas pela oposição ou por outras forças da sociedade? "Quem não deve não teme". A contestação não violenta, justificada ou não, dos resultados é um direito dos actores. Cabe ao poder instituído e às estruturas eleitorais competentes provar o contrário. Em abono da verdade, há também líderes da oposição cuja conduta se coloca aquém do desejável.
Porém, a oposição em Africa está, de forma geral, numa situação idêntica a do "fiambre na sanduíche." Sofre, por baixo a pressão da sociedade que quer mudança e, por cima, o peso do cilindro compressor de regimes antidemocráticos que buscam o poder vitalício.
Chegamos assim, ao âmago do meu argumento. São os governantes que tem o poder de bloqueiam o crescimento das instituições democráticas e inviabilizar a transparência nos processos eleitorais. São os governantes que impedem a participação activa e plena da sociedade nos processos eleitorais e atropelam as leis que os regem. São os governantes que manipulam os resultados para se perpetuarem no poder ignorando a vontade expressa pelos eleitores em eleições livres. São os governantes que recorrem, ou fomentam, a violência, para calar vozes que não buscam mais do que a verdade, promovendo assim a associação das eleições com a violência.
Os povos comportam-se bem, cumprem o seu dever de forma civil e responsável.
Ficam em bichas horas a fio, ao sol, muitas vezes à fome, para exercerem um direito e um dever cívico. As complicações surgem sempre depois da votação.
Afinal quem não está preparado são os líderes e não o povo. No caso específico do Quénia, a oposição, os observadores domésticos e internacionais são unânimes quanto à existência de "irregularidades" - para
ficarmos nos termos politicamente correctos. O que é que custaria ao "candidato" Kibaki, que continuava detentor das redeias do poder, (se movido pelo bem comum, e sem nada a esconder) abrir os arquivos para se esclarecerem as dúvidas?
Tem de haver mais diálogo entre governantes e governados, mais debate ao nível das elites dos vários sectores da sociedade e, sobretudo, a liberdade profissional e económica que resgate estas elites da tutela clientelista e atrofiante do Estado.
Os governos que manipulam resultados eleitorais e impedem a livre e plena participação dos cidadãos no processo democrático, governam contra a vontade popular e, por isso, são governos ditatoriais. Em suma, não é a cultura, o analfabetismo ou o povo que impedem o fortalecimento das instituições e dos processos democráticos em África, mas sim, os lideres políticos que, por conveniência, promovem "ditaduras benignas" que procuram fazer passar por democracias, numa boa parte do nosso continente. Como é óbvio, a ditadura é a antítese da democracia.
Fonte: Club-k.net - 27.01.2008
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