AD SECREBENDUM
Por Custódio Duma
Jurista
A demissão pode ser entendida, para efeito deste texto, como sendo o desligamento compulsório ou voluntário, de um servidor estável da função pública. É uma figura bastante conhecida no nosso país dada ser a função pública a maior empregadora nacional.
Não só, a figura da demissão, ganhou maior espaço quando em certas situações as demissões envolviam altos quadros públicos em tempo recorde. Lembrar que há anos, o Presidente Joaquim Chissano chegou a demitir um ministro ou vice ministro que não durou mais que quarenta e oito horas. O próprio presidente, embora não por via de demissão, recusou voluntariamente um provável mandato.
O presidente Armando Guebuza, também se notabilizou bastante pelo uso que fez da figura das demissões.
De entre muitas situações, tomaram maior visibilidade as nomeações de três ministros na Agricultura e a demissão de dois, somente em três anos.
Fora desses casos, poderiam também, ser chamados a esta lista, os funcionários que embora não ocupassem cargos de ministros ou directores nacionais foram simplesmente obrigados a deixar os cargos por via da demissão, voluntária ou obrigatória, mas sempre em tempo recorde.
Na verdade, propus-me a levantar esta questão na medida em que no final do passado ano de 2007 e no começo deste, três administradores apresentaram de forma voluntária sua demissão e imediata retirada do posto, trata-se do então administrador de Moatize na província de Tete e, também então administrador de Govuro, na província de Inhambane, e do então Administrador de Caia, na Província de Sofala.
O primeiro justificou sua retirada do posto distrital no facto do Governo central não arcar com as despesas do funcionamento da administração, o que obrigava ao visado custeá-las com fundos próprios. O segundo, preferiu dizer que já tinha dado o máximo que podia como administrador distrital, cargo que em Moçambique é exercido em Comissão de serviço, o mesmo tendo acontecido em relação ao terceiro.
Seja como for, independentemente da veracidade dos argumentos apresentados, são raros os casos de demissão voluntária em Moçambique. Estamos sim, acostumados a demissões neste país, mas demissões compulsórias que em certas situações chegam até a gerar grandes conflitos entre os envolvidos, neste caso, entre o que demite e quem é demitido.
Por isso, já é de louvar a atitude e coragem desses governantes distritais, num país onde as mudanças surgem graças a sacrifícios imensuráveis e as vezes com derramamento de sangue.
O administrador que se retira em Inhambane, quer dedicar-se a interesses pessoais, embora admita continuar como funcionário público, mas não como administrador.
Já o de Tete, afirmou preferir dedicar-se a negócios pessoais em vez de sustentar uma administração distrital que tem orçamento próprio mas que por motivos desconhecidos não chega aos cofres. O de Sofala simplesmente justificou estar cansado e pretende tempo para cuidar da vida pessoal.
O norte de Inhambane, de onde o tal administrador se retira, está neste preciso momento, desde finais do ano passado, a ser fustigado por fortes chuvas e inundações que obrigam a milhares de pessoas a se refugiarem em acampamentos e centros de reassentamento. Demitir-se nesse momento chega a aparentar uma certa capitulação ou fuga de responsabilidade, embora de outra forma seja difícil sustentar esta tese.
Somos levados a suspeitar porque não é justo abandonar o distrito numa altura em que todos cidadãos precisam de um líder que os ajude a atravessar o período das calamidades. A suspeita é ainda maior quando em Moçambique, a demissão é dominantemente compulsória e quase nunca voluntária.
A mesma suspeita recai sobre o administrador do distrito de Moatize, porque na verdade a sua missão é fazer pressão ao governo provincial ou ao central, conforme o caso e, exigir que o dinheiro seja canalizado ao distrito em tempo útil. Não quero dizer que ele devia continuar a pagar as contas da administração distrital, nem que não o devia fazer, mas que ele tinha melhores opções.
Em relação ao de Caia, talvez menos suspeita possa haver, apesar de o distrito estar neste preciso momento flagelado pelas cheias do vale do Zambeze, ele retirou- se do poder antes que tal tivesse acontecido.
Mais uma vez, de todas as maneiras, Moçambique não perde com esses três exemplos.
Contudo, é preciso que fique bem claro que o exemplo deve vir ao de cima e não ao de baixo. Na conjuntura sócio política em que vivemos há nomes de ministros e outros governantes que foram levantados, como sendo as que realmente deviam apresentar cartas de demissão voluntária. Na lista, é famoso o Ministro da Defesa devido ao caso paiol. Depois seguem-se o do Interior por falta de estratégia no combate ao crime, o presidente do Tribunal Supremo dada a antiguidade no posto e já agora o Procurador Geral da República devido a um alegado escândalo financeiro ainda enquanto juiz presidente.
Seja como for, é importante que se cultive a cultura de demissões voluntárias no nosso país. É preciso que os servidores públicos tenham a noção de que os cargos que ocupam, em primeiro lugar não são vitalícios.
Em segundo lugar, é preciso que tenham noção de que, por mais que seja em comissão de serviço, amizade ou confiança política, eles estão lá para servir o cidadão e não só para usufruírem das vantagens óbvias do posto.
É preciso também que se perceba que as pessoas não são insubstituíveis, pois quem tenta segurar-se a uma função de que não pode corresponder por incapacidade técnica impede que os que sabem fazer trabalhem para desenvolver o país.
Demissão voluntária, em certa medida, chega a ilustrar o carácter e a postura daquele que apresenta a carta.
Para o caso do Procurador Geral da República, por exemplo, no meio de acusações, palavreados, fogo cruzado entre jornais, indícios de traições e muito mais, ele ganharia imenso se apresentasse sua demissão como forma de salvaguardar a figura da Procuradoria Geral da República e sua imagem também como excelente juiz que todos nós conhecemos.
Quanto ao Juiz Presidente do Tribunal Supremo por exemplo, na falta de coragem de quem de direito para exonerá-lo ou fazer parar seu mandato, ele ganharia mais reputação se agora, neste ano de 2008, apresentasse sua demissão voluntária por ter estado anos e anos no posto da justiça que até hoje anda doente. Tenho a certeza que ele seria grandemente engrandecido com o gesto.
São muitos os nomes que poderia citar. Isso ajudaria inclusive aos governantes a tomarem medidas mais acertadas e coerentes, pois, quanto mais crescem os números de demissões voluntárias de funcionários, aquele que os nomeia começa a dar especial atenção aos critérios de nomeação, aos prazos dos mandatos, a capacidade dos nomeados, as sensibilidades do posto e a necessidade dos cidadãos em ter serviços públicos mais eficientes e de qualidade.
Pelo sim ou pelo não, faço ficar nesta página os meus parabéns aos três administradores demissionários, com votos de muito sucesso nos desafios que os esperam e que os outros colegas não temam em tomar a mesma medida quando necessário.
Mais não disse!
O AUTARCA - 23.01.2008