EDITORIAL
A má notícia é que as cheias e inundações vieram este ano mais cedo.
A boa notícia é que o INGC (Instituto Nacional de Gestão das calamidades) já estava preparado para enfrentar a crise.
Num país em que acontecem incêndios inexplicáveis, em que rebentam paióis que não eram supostos explodir, dá para aplaudir o que deveria ser uma prática de normalidade. Como a função do polícia, do soldado, do bombeiro, do médico e do enfermeiro.
E como o que são desgraças para uns pode ser proveito para outros, a propaganda herdada do partido único e continuada no “deixa andar”, desenha todos os dias cenários diabólicos para as cheias das bacias do Pungué, do Buzi e, sobretudo, no Zambeze, onde querem que se acredite que ali acontecerá porventura um dilúvio bíblico.
A lógica é a da mão estendida e o tirar partido da desgraça. Quanto mais se exagerar na dimensão da catástrofe, maiores serão as ajudas externas, maiores serão os recursos alocados aos distritos em crise.
Como se não existissem satélites para monitorar a crise, como se as agências internacionais especializadas não tivessem as suas próprias antenas em local apropriado.
É, mais uma vez, a lógica do antigamente, quando o “sector das calamidades” foi considerado um dos sectores mais corruptos do país, alimentando fornecedores de bens essenciais dentro e fora do país, desenvolvendo um polvo multitentacular que ia do armazém do distrito ao funcionário que accionava os mecanismos dos donativos.
O INGC, que é posto à prova no seu segundo ano consecutivo, alterou práticas, introduziu uma nova dinâmica. Desamarrou muito negócio que se perspectivava à custa do saco de milho, da lata de óleo alimentar e das abençoadas consultorias.
Mas fomentou um pequeno contingente de descontentes.
A começar pelo fenómeno do protagonismo. Governadores e administradores vêem nos momentos de calamidades o seu momento único de protagonismo. Mas não coordenam nem têm os bens à sua disposição que dariam a ribalta porque tanto anseiam.
Depois, não fizeram trabalho de casa e enfrentam críticas intra-muros do trabalho que está à espera de ser feito desde o ano passado. É que o INGC não actua muito para além do fenómeno emergência. E do ano passado, nomeadamente, no vale do Zambeze sobraram os reassentamentos que estão a cargo dos governos provinciais. Dos distritos é mais difícil responsabilizar quando se trata de unidades territoriais com notória incapacidade de meios.
E sobram também incumprimentos para os ministérios, sobretudo, aqueles que deveriam ter tomado a dianteira nos programas orientadores sobre o tipo de construção melhorada que se pretende nos reassentamentos. Uma habitação melhor mas que não pode significar a desertificação da floresta para a queima de tijolo-burro.
E sobram as críticas para os talhões que não há para os camponeses iniciarem uma nova vida longe dos locais da tragédia de ontem.
Os burocratas dos serviços governamentais parecem não compreender que a mudança nas zonas de risco só pode acontecer com a criação de condições materiais objectivas que levem as famílias a aceitar que mudam para melhor apesar de deixarem para trás a memória e a tradição.
São estas algumas das pontas que é preciso juntar para que a operação de prevenção, de resgate das vítimas e de apoio a uma nova vida tenha de facto sucesso.
E essa luta não se faz de murmúrios, invejas e pequenas punhaladas na quietude dos gabinetes.
SAVANA - 11.01.2008