Carta, de "THANDO"
Mana,
Escrevo-te esta carta e chamo-te irmã, mesmo sem nos conhecermos, porque chamamos mãe à mesma Mátria e somos aquecidos pelo mesmo Sol austral, banhados pelo mesmo oceano Índico e cobertos pela mesma bandeira.
Li a entrevista que deste ao Correio da manhã de 21 de Janeiro de 2008 sobre a difícil tarefa que tens como Chefe do Gabinete do Ministério do Interior de Atendimento à Mulher e Criança, num país em que a violência doméstica impera e as mulheres e as crianças são tratadas como cidadãs de segunda e seres inferiores. Nem com dez Gabinetes com o teu e nem com dez manas Lurdes como tu conseguiríamos dar resposta a este grave problema. Por isso, digo força e coragem nesse teu trabalho!
No entanto, ao chegar ao fim do artigo fiquei um pouco desanimado. Li e reli o último parágrafo do artigo, para ter a certeza de que estava a entender bem o que dizias em relação à violação de menores e à dificuldade de punir os que cometem tal crime, por falta de legislação adequada. Xi, mana, juro que não quis acreditar que tu, uma mulher, uma defensora dos discriminados e vitimizados, venhas propor a vitimização de mais um grupo da sociedade em nome do combate à pedofilia e à violação de menores.
Dizias tu, na entrevista, que precisas que a homossexualidade (aproveito para esclarecer que não se diz homossexualismo, mas sim homossexualidade, pois diz-se sexualidade e não sexualismo), dizias tu que a
homossexualidade devia ser ilegalizada para melhor poderes combater a violação de menores por adultos
do mesmo sexo. Acho que não era isso que querias dizer; acho que te deixaste levar pela emoção.
Sabes porquê digo isso?
Em primeiro lugar, é impraticável proibir a homossexualidade, pois sendo a orientação sexual uma coisa de nascença, proibir que alguém seja homossexual é canhoto... ou mesmo heterossexual! Já pensaste, mana, se te proibissem de gostar do meu cunhado?
Em segundo lugar, se estás a falar de actos homossexuais, ou seja a prática sexual entre duas pessoas do mesmo sexo, e se as pessoas já nascem com a sua orientação sexual pré-definida, os actos homossexuais são tão naturais quanto os heterossexuais.
Por isso, proibi-los seria o mesmo que proibir que tu e o cunhado, lá em casa, fizessem as coisas de que tanto gostam e que fazem tão naturalmente!
E, se isso fosse proibido, eu hoje não teria os meus sobrinhos adorados!
Em terceiro lugar, mana, pensa bem na lógica do teu argumento: se a maneira de acabar com a violação de meninos por homens adultos é ilegalizar a homossexualidade, então, pela mesma lógica, a maneira de acabar com a violação de meninas por homens adultos é ilegalizar a heterossexualidade. E como a maior parte dos actos de violação de menores é entre homens adultos e menores do sexo feminino, devemos concluir que o sexo heterossexual é muito mais pernicioso do que o homossexual! Assim, vamos proibir ambos! Concordas? Achas que, lá em casa, o cunhado vai estar de acordo?
Vejamos outros exemplos: como acabar com a corrupção na Polícia? Proibir os polícias! Como acabar com o abuso sexual das alunas pelos professores? Proibir o ensino! Como acabar com a violência dos maridos contra as mulheres? Proibir o casamento! Como acabar com a pedofilia praticada por padres? Proibir as igrejas e as religiões! Será?! Tenho a certeza que estás a responder que não!
Pois é, mana, como és boa pessoa, acho que já chegaste à conclusão que afinal estavas errada quando disseste aquilo de ilegalizar o homossexualismo. Mas há muita gente que não tem a tua inteligência. Imagina
que essas pessoas, algumas delas com muito poder, liam a tua entrevista e diziam: Já agora, vamos passar uma lei a proibir todo o tipo de sexo, para acabar de vez com isso das violações sexuais de menores e de
adultos! Seria uma desgraça, não achas? Se ainda tens dúvidas, vai perguntar ao cunhado lá em casa, ele que é um homem sensato....
Sabes, mana, pensei muito antes de te escrever esta carta! Disse para mim mesmo: Moçambique é um estado de Direito, respeita os direitos humanos, assinou convenções internacionais nessa matéria, ninguém
teria coragem de proibir uma coisa dessas! Porque vou maçar-me a escrever contra uma improbabilidade dessas? Porquê um Estado democrático, através das leis, iria discriminar, excluir e estigmatizar mais um grupo de cidadãos?! Não chegam as mulheres, as crianças, os seropositivos, os analfabetos e os deficientes... agora também os homossexuais?! Quem será a seguir? Que a memória não seja curta: até há 32 anos, eram milhões de negros que eram vítimas de discriminação e exclusão nesta nossa terra! Julgava que tínhamos aprendido que não há formas de discriminação mais aceitáveis do que outras!
Então, lembrei-me dessa grande professora que é a História e dos inúmeros casos em que o silêncio foi cúmplice de grandes tragédias. Em 1933, os alemães elegeram Adolf Hitler, democraticamente, como seu
Primeiro-Ministro. Aí, começaram as perseguições àqueles que o regime Nazi considerava uma ameaça – os judeus foram as maiores vítimas, mas outros grupos também foram perseguidos, presos e massacrados. A
maioria do povo alemão permaneceu no silêncio. Uma das poucas vozes que se ergueram para protestar contra os abusos do regime foi Martin Niemoller, Pastor Luterano, que em 1937 também foi preso e deportado para os campos de concentração. Tendo escapado milagrosamente à morte, foi liberto no fim da II Guerra Mundial e, em 1946, escreveu um poema a encorajar as Igrejas alemãs a pedirem perdão pelo seu silêncio perante os abusos do regime Nazi. Esse poema já foi adaptado centenas de vezes, de acordo
com o contexto a que se quer aplicar. Uma versão desse poema diz o seguinte:
Primeiro, vieram buscar os comunistas,
Mas eu calei-me porque não era comunista;
Depois vieram buscar os socialistas,
Mas eu calei-me porque não era socialista;
Depois vieram buscar os sindicalistas,
Mas eu calei-me porque não era sindicalista;
Depois vieram buscar os Judeus,
Mas eu calei-me porque não era Judeu;
Depois vieram buscar os Gays,
Mas eu calei-me porque não era Gay;
E quando, por fim, vieram buscar-me a mim,
Já não tinha ficado ninguém para falar por mim!
Este poema mostra bem que, quando ficamos
calados e deixamos passar coisas que parecem não
ter importância, um dia damo-nos conta que essas
pequenas coisas, todas juntas, viraram um monstro
enorme e já é tarde para o derrotarmos!
CORREIO DA MANHÃ - 23.01.2008
Veja:
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2008/01/mais-de-1907-ho.html