Há sensivelmente dois anos, um dos maiores escreventes do nosso País a residir na cidade da Beira, o poeta Heliodoro Baptista, fazia questão de quebrar um silêncio editorial duma década com o livro Nos Joelhos do Silêncio, numa edição primeira da Caminho. Dissemos, na altura, recorrendo as palavras da escritora Rita Ferro, que a poesia contida nesse livro, era uma espécie de ajuste de contas, uma tentativa de corrigir a vida ou o destino, um repúdio pela ementa que nos põem à frente.
Maputo, Quarta-Feira, 16 de Janeiro de 2008:: Notícias
Dissemos, também, e em jeito de conclusão, que só se escreve quando se está em fúria, em infelecidade, em desamparo, em perdição!
Quando tomamos conhecimento que o poeta se preparava para apresentar um novo livro, ficamos com a curiosidade de saber que especie de conteudos e propostas esteticas nos traria, desta vez, o poeta de Chiveve. Uma fugaz leitura do seu novo livro, intitulado Moçambique Song, oferece-nos a imagem desse discurso intervencionista e inconformado, o mesmo labor da palavra e talvez uma viagem cada vez mais profunda ao intrincado universo da nossa sociedade e das nossas vidas. Trata-se de mais de 80 poemas e duas prosas poéticas, sendo maioritariamente inéditos, exceptuando alguns que, reescritos e depurados, deviam caber, segundo nos disse, numa “antologia descartável”. E descartável porquê, perguntamos em conversa telefónica. Heliodoro Baptista respondeu-nos, entre a ironia amadurecida e a sinceridade de quem respeita a palavra:
Há um momento em que se descobre que o que escrevemos foi já dito por alguém há séculos, milénios; qualquer ideia, pensamento, frémito, movimento fisico ou gestual, da literatura à politica representam, diria, a cristalização de coisas de outros, de muitos povos que nos precederam em qualquer continente! J.L.Borges já disse isto por outras palavras, Fernando Pessoa também. Devemos ser humildes e aceitar, em defenitivo, que somos crioulos; e basta ir à História antiga para nos olharmos ao espelho.
Até a Biblia, o Alcorão, textos de Gerónimo, famoso chefe ameríndio, ou Confúncio, confirmam esta virtualidade”.
Sobre Heliodoro Baptista ja escrevemos várias vezes e sabemos que ele é imprevisível como todos nós, apesar de uns mais do que outros. E há muito temos esta quase certeza: a de que ele é, endógeno, intimista mas também voz dual e plural, um dos bons poetas mocambicanos da literatura escrita em português. E como outros livros dele, este Moçambique Song só vai surpreender quem nunca leu os escritos deste poeta a quem seguimos há mais de 25 anos as pistas e lhe pressentimos “o voo para dentro do voo”, pelo qual sempre lutou, polemizando até, criando, sem defenitivamente o desejar, muitos juízos injustos sobre o seu carácter, personalidade, atitude inmdividual (ou individualista) e a sua legítima presença e passagem pelo mundo. Ignoramos que a uma simples reflexão, e sem recorrências psicológicas ( ou filosóficas) profundas, quase em ideia ou conceito básicos, os homens são iguais mas todos diferentes. E que ninguém é mais perfeito do que o outro, cívicamente, só como exemplo. E que a interrogação permanente sobre o Amor, a Vida, a Morte, o Presente, o Passado e o Futuro não sãao, não deviam ser nunca, preocupação subjacente apenas do escritor, do poeta, do académico. Todo o ser humano, demónio ou santo, pensa. E sofre, ama, adoece, ri, conhece o sabor da lágrima, se maravilha permanentemente com o que observa, sejam o voo da ave, a sombra do arco-iris, a mão que assassina, a voz que reprime, mente ou afaga o Outro.
Heliodoro Baptista publicou seus primeiros textos aos 17 anos em jornais. A morte da mãe foi decisiva em tudo. Nelson Saúte, em entrevista inclusa em Os Habitantes da Memória já pressentia isso. Antes, Eugénio Lisboa, José Craveirinha, Rui Knopfli e Rui Nogar, entre outros, que o receberam e incetivaram, a ele se referiram várias vezes. Estava-se em 1972 e o poeta acabara de sair da adolescencia chuabense para a então Lourenço Marques, gigante mosaico pluricultural.
Premiado em 1988 pela Gazeta, - página cultural incontornável da revista Tempo - pelo emblemático livro Por Cima De Toda A Folha, obteve o Prémio Nacional de Literatura (Poesia) em 1991, pela primeira vez atribuído pós-independência nacional. Além de fazer parte de muitas antologias, figurar no duplo CD Mãos Dadas editado em Manaus, Brasil, em 1994, recolhe da mais representativa poesia em lingua portuguesa, principiando pelos antigos (mas sempre novos) clássicos como Luis de Camões, Heliodoro Baptista, para lá do livro citado atrás, escreveu A Filha de Thandi, a cujo parto final adssistimos pessoalmente em Maputo, em 1990, livro que inclui um outro, Os Materiais do Amor, o qual inspiraria outros poetas para um mesmo título, não como plágio, mas como intersecção fraterna, e anos mais tarde, em 2005, Nos Joelhos do Silêncio, saído em Portugal pela Caminho, ao qual o autor destas linhas se referiu em breve e modesto comentário crítico, nas páginas deste suplemento.
Este Moçambique Song, seu quinto livro, sairá simultâneamente em Portugal e Moçambique com o apoio total dos Caminhos de Ferro de Moçambique, uma instituição que tem vindo a ensaiar diversos e elogiáveis apoios a iniciativas culturais. A coordenação da produção de Moçambique Song pertence a dois Antónios, um o Sopa, outro o Libombo, sendo a ilustração da capa pertecente a artista plástica portuguesa Ivone Ralha, a mesma que ilustrou o livro Nos Joelhos Do Silêncio. Sabe-se, finalmente, que há uma nota introdutória do execelente poeta moçambicano Luis Carlos Patraquim, a residir em Lisboa há vários anos. Esperamos, enfim, que deste novo parto do poeta de Chiveve, a patria literaria se sinta mais enriquecida e prestigiada.
MARCELO PANGUANA
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