O governo da província de Manica, no centro de Moçambique, quer que sejam responsabilizados criminalmente os "mentores das escaramuças" verificadas sábado nas ruas da capital provincial, Chimoio, de que resultaram sete mortos e 22 feridos.
Por André Catueira
da Agência Lusa
Em declarações à Agência Lusa, o governador Maurício Vieira, afirmou que houve "incitamento à violência" nos acontecimentos registados no último fim-de-semana na capital provincial de Manica onde, entretanto, a situação "está controlada" e mais calma.
"Já está controlada a situação e estamos a acompanhar cuidadosamente o desenrolar dos acontecimentos à volta dos tumultos de sábado", disse Maurício Vieira, indicando que foram detidas 33 pessoas acusadas de encabeçar a manifestação.
Chimoio foi palco no sábado de uma tentativa de linchamento popular que terá começado quando um grupo de populares exigiu a entrega pela polícia de 12 alegados assaltantes que têm protagonizado sucessivos assaltos e violações na cidade, capturados nesse dia pelas forças de segurança.
Os manifestantes barricaram quase todas as vias de acesso à cidade e, empunhando pedras, paus e instrumentos contundentes, gritaram insultos à polícia e ao Governo, acusados pelos populares de promover a libertação dos alegados criminosos a troco de subornos, a pretexto da ausência de provas incriminatórias.
"Os manifestantes, que exigiam a cabeça dos malfeitores detidos pela polícia, barricaram as vias públicas com pedras e ramos de árvore, danificaram viaturas, retiraram o tecto da terceira esquadra de Chimoio, destruíram a casa de uma mulher que supostamente albergava os larápios, matando de seguida a inquilina, além de terem feito uma série de desmandos, criando um ambiente que enervou a polícia", escreve o semanário Domingo a propósito dos incidentes.
Em resposta, "para garantir a ordem", a polícia "desatou com intensos disparos de armas automáticas a tal ponto de causar ferimentos em 19 pessoas residentes em diversos bairros da cidade de Chimoio", adianta o mesmo jornal.
"A polícia foi ainda obrigada a recorrer ao uso de gás lacrimogéneo para dispersar os manifestantes, mas não chegou a ser suficiente para conter os ânimos populares, cuja tendência era progredir em direcção às esquadras, à medida que iam exigindo a cabeça dos malfeitores para fazer justiça com as próprias mãos", noticia ainda o Domingo.
Os populares acabariam por linchar dois dos alegados assaltantes e ferir com gravidade um terceiro, salvo pela polícia, segundo a imprensa.
"Uma terceira vítima mortal foi uma mulher que começou por ser agredida à catanada e outros instrumentos contundentes (...) indiciada de dar abrigo e alimentação aos supostos malfeitores, recaindo ainda sobre ela acusações de um dos elementos do grupo de criminosos ser seu irmão", pode ler-se no semanário.
Segundo uma fonte do Hospital Provincial de Chimoio, Maria Sete, de cerca de 40 anos, deu entrada naquela unidade hospitalar com "traumatismos poliformes" em consequência de "golpes com instrumentos diversos", tendo falecido logo após a sua admissão nas urgências.
"Entreguem-nos os homens que nós próprios capturámos. Eles atormentavam-nos, roubavam, matavam, violavam as nossas mulheres, filhas e cometeram uma série de desmandos perante o vosso olhar impotente. Vocês (policias) estavam aqui e nada fizeram. Hoje, após noites sem sono, vocês escondem-nos esses malfeitores. Queremos linchá-los na vossa cara", gritaram em fúria os manifestantes.
Recentemente, as mulheres do director de uma escola no Bairro 25 de Junho e de um agente da PRM foram agredidas sexualmente na presença do seus próprios maridos, tendo de ser assistidas nos serviços de ginecologia do Hospital Provincial de Chimoio.
Os acontecimentos deste fim-de-semana levaram ao encerramento do comércio e serviços ao longo de quase todo o fim-de-semana e provocaram elevados danos materiais, entre carros e casas destruídas.
Cenas de linchamentos populares têm sido registadas recentemente na Beira, segunda cidade de Moçambique, a cerca de 300 quilómetros do Chimoio.
Este ano, sete pessoas foram espancadas e carbonizadas até à morte por populares nos subúrbios da cidade, que as acusavam da prática de diversos crimes, entre roubos e assassínios.
Analistas ouvidos recentemente pela Agência Lusa atribuem estes fenómenos de "privatização da justiça" ao cansaço da população perante a ineficácia das autoridades.
O sociólogo e professor universitário Carlos Serra, que está a coordenar uma pesquisa em Maputo sobre os linchamentos - prática pioneira da chamada "justiça pelas próprias mãos"- identifica nela "sintomas de cansaço da população perante a ineficiência da polícia".
No entanto, alertou o jurista António Madure, radicado na Beira, ao invés de resolver o problema do crime, a chamada "justiça popular" reforça a insegurança no seio das populações, porque, "por azar, qualquer cidadão de bem pode ser confundido com bandidos, basta gritar "mbafa" - ladrão numa das línguas faladas na Beira.
NOTÍCIAS LUSÓFONAS - 28.02.2008