ISABEL LUCAS
Paulina Chiziane, ESCRITORA
O romance que publicou agora em Portugal e será editado em Moçambique questiona o envolvimento dos indígenas na colonização. Polémica garantida?
É um livro polémico. Tenho consciência, mas era preciso começar a discutir o problema. Olhávamos para o invasor como a causa dos problemas. A Zambézia é das províncias mais ricas, um lugar onde a exploração portuguesa foi muito forte. Se os portugueses eram tão poucos ali, como dominaram a província e o país? Qual a participação dos indígenas? Se parar para uma reflexão interna, a mão dos indígenas foi muito forte. A Zambézia foi a parcela do território com maior miscigenação. Como aconteceu? Será que as mulheres foram violadas? Será que se entregaram? Como é que a Zambézia tem tantos mulatos?
Este livro, O Alegre Canto da Perdiz, parte de uma teoria.
Segundo a tradição oral eram as mulheres negras que procuravam o homem branco para ter um filho mulato para que este não fosse depois deportado. Ainda há essa busca do homem branco. Muitas raparigas de 15 e 16 anos olham o homem branco como uma salvação. Sou observadora social e fui coleccionando estas questões.
Como explica, 30 anos após a independência, que essa busca do homem branco continue?
Estamos a assistir a qualquer coisa que não consigo interpretar. Os mulatos parecem estar de novo a assumir o controlo da situação. Com a economia de mercado aparecem os antigos portugueses a assumir o comando das infra-estruturas e o filho mulato ressurge no poder. Ainda não sei muito bem o que estou a fazer. Abro uma polémica para reflectir sobre o futuro do país. A reflexão sobre o que é ser moçambicano parou. Como nos vamos relacionar, que país estamos a construir? De forma suave tento levantar questões.
E o que é ser moçambicano?
Temos uma consciência nacional que não é comum aos outros países africanos. Moçambique está muito mais próximo da unidade nacional do que a maior parte das nações africanas. Aqui não há divisões tribais. Estamos todos misturados. Essa é das maiores relíquias de Moçambique.
Teme as reacções ao livro?
Tenho medo. Nem quero ser heroína nem mártir. Quero ser uma cidadã comum, mas não me sentiria bem se não escrevesse o que sei. Há gente que não vai gostar. Pode haver quem se zangue comigo. Acima de tudo quero contribuir para a reflexão da moçambicanidade.
O escritor Francisco José Viegas chama-lhe "a escritora mais divertida de África"...
Isso tem um pouco a ver com a estética da tradição oral. Quando os assuntos são muito profundos é preciso aligeirar. Já fiz isso com o livro anterior, em que o tema era a poligamia. De vez em quando tenho de fazer paragens para suavizar e dar um equilíbrio emocional ao leitor.
DIÁRIO DE NOTÍCIAS - 24.03.2008
NOTA:
Enquanto se não reconhecer que a "colonização portuguesa" foi na realidade uma colonização diferente de todas as outras e que a independência conseguida, bem como o período que se lhe seguiu foi "contra natura" (onde está o "homem novo"?) se concluirá, como Paulina Chiziane afirma "esta(r)mos a assistir a qualquer coisa que não consigo(conseguimos) interpretar".
E, quando afirma que "Moçambique está muito mais próximo da unidade nacional do que a maior parte das nações africanas" a mesma só pode ser resultado da forma de colonização portuguesa que em muito contraria a teoria propalada pela FRELIMO do constante empurrar de umas etnias contra outras. E não foi em trinta anos que isso se conseguiu.
Uma coisa são os políticos e a política e outra é o povo (infelizmente). E este saberá, a seu tempo, repor tudo no lugar correcto.
Parabéns, Paulina Chiziane, pela obra e pela honestidade intelecual.
Fernando Gil
MACUA DE MOÇAMBIQUE