ANA DIAS CORDEIRO
Luanda pediu a publicação sem demora dos resultados presidenciais. Agora pode pretender maior influência junto de Robert Mugabe para tentar resolver a crise "legitimando a fraude".
A notícia de que um navio chinês com um carregamento de armas estaria a caminho de Angola para depois ser entregue ao Zimbabwe não preocupa o secretário executivo da Comunidade para o Desenvolvimento
da África Austral (SADC), o moçambicano Tomás Salomão. Contactado pelo PÚBLICO, o responsável da organização que tem mediado a crise no Zimbabwe afirmou que nos países da região, incluindo o Zimbabwe, "as Forças Armadas defendem a soberania do Estado e não os partidos ou as partes" e insistiu que "este é um assunto entre a China e o Zimbabwe".
Mesmo se as chefias militares em Harare disseram, dias antes das eleições legislativas e presidenciais de 29 de Março, que não admitiriam uma derrota de Robert Mugabe, Tomás Salomão insiste: "Essa foi a posição do comandante do Exército, mas as Forças Armadas estão ali para defender a soberania do Estado."
Ao mesmo tempo, o alto responsável diz que os observadores da missão da SADC, actualmente no Zimbabwe, não encontraram quaisquer indícios das violências, torturas, espancamentos ou assassínios políticos visando apoiantes da oposição, como tem sido denunciado pela oposição zimbabweana e por grupos de defesa dos direitos humanos nacionais e internacionais.
Em águas de Moçambique
Depois de Durban, na África do Sul, onde não conseguiu atracar no fim-de-semana por decisão de um tribunal e oposição do sindicato dos transportes, o navio estaria ontem nas águas territoriais de Moçambique, segundo disse uma fonte governamental moçambicana ao jornal MediaFax. As autoridades portuárias deste país deram ordens expressas para não permitir a sua entrada. Seja como for, o Governo de Moçambique terá tido acesso a informações sobre a rota do navio que lhes terão permitido afirmar que este seguirá para Angola.
Em declarações à Lusa em Luanda, porém, o director da Divisão África e Médio Oriente do Ministério das Relações Exteriores, Mário Feliz, disse desconhecer que o navio chinês teria como destino Angola. Em Lisboa, a embaixada, contactada pelo PÚBLICO, disse não querer pronunciar-se sobre o assunto.
Para o politólogo angolano e dirigente da Frente para a Democracia, na oposição, Nelson Pestana, independentemente de o destino ser Angola, a existência de um navio com armamento da China a caminho do Zimbabwe é um sinal de que "o regime de Mugabe passou para a contra-ofensiva militar" depois do partido da oposição, o MDC, ter posto fim à hegemonia da ZANU-PF. O MDC derrotou o antigo partido único
nas legislativas e colocou em dúvida a vitória de Mugabe nas presidenciais.
Esta reviravolta "inesperada" no Zimbabwe, bem como os acontecimentos recentes no Quénia, onde a oposição disse ter vencido umas eleições oficialmente ganhas pelo Presidente Kibaki, mas com dúvidas expressas pelos observadores internacionais, estará a criar um "maior nervosismo" no seio das lideranças políticas de Luanda em ano de legislativas (previstas para 5 de Setembro), diz Nelson Pestana.
Esse "nervosismo" sente-se pelo "muscular das declarações [de dirigentes angolanos] e um apelo de novo à diabolização e à guerra pela negativa, pela troca de acusações", sobretudo contra a UNITA, principal partido da oposição. Olhando para o Quénia e para o Zimbabwe, Nelson Pestana acrescenta: "Eram duas bolsas de poder que pareciam muito fortes, inabaláveis, e que foram derrotadas pelo voto popular".
A preocupação que este professor de Ciência Política da Universidade Católica de Luanda realça tem, no entanto, a ver com a possibilidade de Luanda ser ponto de passagem de armas da China para o Zimbabwe. E lembra que, apesar da posição do Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, que na cimeira de chefes de Estado da SADC, em Lusaca, defendeu a publicação sem demora dos resultados das presidenciais, o
certo é que "não deixou cair Mugabe".
Dividendos para Dos Santos
E conclui: um apoio angolano no sentido de um reforço da capacidade militar das forças de segurança do Zimbabwe, no contexto actual, seria visto como uma estratégia política de Eduardo dos Santos. Assim garantiria espaço e ainda mais influência junto de Mugabe, não para este abandonar o cargo mas para aceitar uma negociação com o MDC (oposição), à semelhança do que aconteceu entre o Presidente do Quénia e o líder da oposição Raila Odinga, agora primeiro-ministro.
A confirmar-se, esta negociação estabilizaria a situação no Zimbabwe e traria dividendos políticos para Eduardo dos Santos, mas "legitimaria a fraude".
Vinte e oito opositores ao regime do Presidente Robert Mugabe foram ontem levados a tribunal em Harare, capital do Zimbabwe, acusados de "violência pública" e de "obstrução à circulação". Tinham exigido
a publicação dos resultados das eleições de 29 de Março, que o país continua sem conhecer. O líder do Movimento para a Mudança Democrática (MDC), Morgan Tsvangirai, apelou à intervenção das Nações Unidas e da União Africana.
Tsvangirai sublinhou a "deterioração da situação política e humanitária no Zimbabwe". Ao encontrar-se com o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, o líder da oposição no Zimbabwe pediu a intervenção da ONU e da UA "uma vez que não há qualquer progresso nos esforços da SADC", a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral, adiantou à AFP uma porta-voz do principal responsável da ONU, Michèle Montas. Ban Ki-moon "reiterou a profunda preocupação com o facto de a situação no Zimbabwe não estar resolvida, e a sua inquietação face às informações sobre a violência."
Um representante do MDC, Innocent Gonese, adiantou que, após a greve geral convocada na semana passada para pedir a divulgação dos resultados do escrutínio, "houve ataques contra inúmeros militantes
e a polícia não fez nada". O ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, David Miliband, considerou ontem que Mugabe está a tentar "roubar a eleição" e que "ninguém pode acreditar" na recontagem que está a ser feita em 23 dos 210 círculos eleitorais. "O mundo está a assistir a uma charada de democracia", acrescentou. I.G.S.
PÚBLICO - 22.04.2008