MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Meu caro Sitoi
Sei que tens bastante família na África do Sul e estás preocupado com os terríveis tumultos que lá estão a acontecer.
Na tua última carta perguntavas-me porque é que isto começou, assim de repente.
Ora a verdade, meu amigo, é que isto não começou assim a partir do nada.
Na minha opinião isto que está a acontecer na zona de Joanesburgo, e ameaça espalhar-se para outras zonas, é mais um resultado da desastrosa política dos governos da zona em relação aos acontecimentos trágicos do Zimbábuè.
Desde sempre a nossa zona foi palco de migrações de trabalhadores entre os vários países e a vizinha África do Sul, principal foco regional de desenvolvimento económico.
E, desde sempre, esse fluxo migratório foi sendo gerido com flexibilidade, mais ou menos a contento de todas as partes.
Só que isso agora foi completamente desequilibrado, com a entrada, descontrolada, de zimbabueanos, fugindo da violência política, do desemprego e da fome, num país praticamente destruído pelo desgoverno de Robert Mugabe e da ZANU-FP.
Segundo alguns cálculos oficiais o número de zimbabueanos actualmente na África do Sul é de mais de três milhões de pessoas. A maioria das quais entrou naquele país nos últimos tempos.
Ora três milhões de pessoas é muita gente. É uma pressão enorme no mercado de trabalho.
Principalmente se, como é o caso, chegam em grandes quantidades num curto espaço de tempo e, portanto, não conseguem ser naturalmente integrados.
Daí a esta explosão de violência foi só um passo.
E, tragicamente, esse passo já foi dado.
Como te lembras, o Zimbábuè foi um país com uma economia próspera onde os seus cidadãos tinham um bom padrão de vida, melhor do que a grande maioria dos países africanos.
De repente, em poucos anos, essa economia foi completamente destruída pelas políticas insanas de um dirigente senil apoiado por uma casta de polícias e militares cuja fidelidade foi mantendo à custa de
privilégios.
E o resultado foi esta fuga em massa para a fronteira do sul, para um local onde a vida se aproximasse daquilo que tinha sido, anteriormente, no Zimbábuè.
A África do Sul não conseguiu “digerir” esta invasão de mão-de-obra e o resultado está à vista.
Costuma dizer-se que, quando vemos as barbas do vizinho a arder, é bom colocarmos as nossas próprias barbas dentro de água.
E digo isto porque é muito possível que os zimbabueanos, incapazes de viver no seu próprio país e, agora, ameaçados de enorme violência na África do Sul, se virem para a outra fronteira que têm mais próxima. Isto é, Moçambique.
Parece óbvio para toda a gente que a solução para este problema, que cresce dia-a-dia, é forçar uma mudança no Zimbábuè. É conseguir fazer sair Robert Mugabe, e os seus apoiantes, do poder em Harare para que possa ser feito um real esforço de restauração da economia. Porque só uma economia em franca recuperação e o fim da violência política podem atrair, de novo, os zimbabueanos para casa.
E isso é fundamental para voltarmos ao equilíbrio anterior nos fluxos migratórios da nossa região.
O mesmo é dizer voltarmos à paz social.
Mas quem tem poder para o fazer finge estar cego e não ver a queimada descontrolada que já arde por cima das fronteiras dos nossos países.
Esperemos, meu caro Sitoi, que essa política irresponsável não faça as coisas ainda muito piores do que aquilo que já estão.
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ - 22.05.2008