“No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho”
O poeta Carlos Drummond de Andrade em “No Meio do Caminho”
Semanas atrás, hackers apagaram a página de internet da CPLP, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Nada de mais, não é? No mundo virtual, o que mais existe são hackers, destruindo tudo o que encontram pela frente. Mas, como sou um entusiasta da integração entre os povos lusófonos, preferia que a CPLP levasse essa provocação a sério. Penso que pode ser uma ótima oportunidade para fazer uma “autocrítica”, reavaliando os seus conceitos e forma de atuação.
Acima de qualquer questionamento, reconheço a importância da CPLP e acredito no seu futuro. Em pouco mais de uma década de existência, a entidade realizou ações exemplares e mostrou o seu valor, como no apoio à Guiné-Bissau e Timor-Leste. Sinceramente, penso que a simples existência da Comunidade já é uma vitória. Não deve ser fácil unir oito países, de quatro continentes e com grandes problemas internos a resolver, em torno de um ideal comum.
Mas, recentemente, dois acontecimentos envolvendo pontos-chave da CPLP me deixaram bastante apreensivo.
Primeiro foi a aprovação do polêmico Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Apesar de ser conhecido desde 1990, o tratado gerou acaloradas discussões no processo de adesão de Portugal. Dos políticos aos humoristas, sobraram críticas como: “nos obrigarão a falar brasileiro” ou “a Língua Portuguesa é nossa”. Como já disse, também tenho reservas ao acordo, mas acho que nada justifica essa postura. Não seria mais produtivo ter participado ativamente da sua construção?
O segundo fato estranho foi o anúncio da criação da Universidade da CPLP pelo Brasil. A notícia, que pegou a todos de surpresa, foi dada pelo Chanceler Celso Amorim em abril, numa visita à Guiné-Bissau. Em busca de mais informações, pesquisei os sites da CPLP, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Educação... e nada! Acabei enviando um e-mail para o MRE. Recebi como resposta que “o projeto ainda está em fase embrionária”.
Acabei encontrando o que procurava no blog do ex-Ministro Zé Dirceu. Segundo ele, a instituição deverá iniciar suas atividades em 2010 na cidade de Redenção, no interior do Ceará. Terá 10 mil vagas e cursos nas áreas de administração, agricultura, educação e saúde. Metade dos alunos deverá vir da África e Timor. Curiosamente, em nenhum momento citaram Portugal. Por outro lado, também li artigos lusos acusando o Brasil de “tomar o lugar que é seu de direito na África”.
Ao analisar essas situações e, principalmente, os comentários gerados dos “dois lados do Atlântico”, passei a considerar que a CPLP corre o sério risco de ser reduzida a um mero “cabo de guerra” entre Brasil e Portugal. Nosso passado em comum, afinidades culturais, fartas possibilidades de intercâmbio e o respeito mútuo parecem interessar cada vez menos. O “novo jogo” pode ser apenas uma disputa entre a velha e a nova “metrópole” pela soberania do mundo lusófono.
Espero estar enganado. Ou, se estiver certo, torço para que a CPLP aproveite o alerta do hacker para corrigir o seu rumo. Mas, se o futuro se resumir mesmo a uma disputa por “quem mima mais”, aproveito para deixar um aviso aos “novos colonizadores”: preparem os bolsos que os Estados Unidos, China, França, Austrália, entre muitos outros, também estão no páreo!
“A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?”
Carlos Drummond de Andrade em “José”
Artigo escrito por Douglas Cavallari de Santana. Publicado na seção “Iscas Intelectuais - Lusófonas” da página de Internet do comunicador Luciano Pires - www.lucianopires.com.br.
Para saber mais:
CPLP (www.cplp.org): página da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
Zé Dirceu (www.zedirceu.com.br): página oficial do ex-Ministro da Casa Civil do governo Lula. Traz informações sobre a Universidade da CPLP.
Acordo Ortográfico (http://pt.wikipedia.org/wiki/Acordo_Ortogr%C3%A1fico_de_1990): página da Wikipédia com todos os detalhes sobre o tratado.