São Tomé e Príncipe: Mário Soares recorda deportação há 40 anos para terra de "um coqueiro e um africano"
O ex-Presidente Mário Soares afirmou hoje que a noção que tinha de São Tomé e Príncipe há 40 anos, quando foi deportado para a então colónia portuguesa, era a de "um coqueiro e um africano".
"Só me lembrava de São Tomé, curiosamente porque o meu pai tinha sido autor de um livro que foi muito célebre na época, que se chamava "Quadro da História de Portugal", um livro didáctico muito interessante que agora eu quero reeditar", lembrou Mário Soares, ao intervir numa conferência intitulada "40 anos depois", realizada no Centro Cultural Português/Instituto Camões.
A conferência integrou o programa da V Bienal de Arte e Cultura, aberta oficialmente ao final da tarde de hoje, na capital são-tomense.
"Tudo o que me lembrava daquela ilha é o desenho que estava no livro de um coqueiro e um africano", disse Mário Soares, que depois contou como foi lhe foi comunicado que iria para o exílio nas ilhas do Equador, em 1968.
"Ele (António Salazar) está muito zangado consigo e resolveu mandá-lo para São Tomé e isso vai ser como uma pedra que se deita a um poço. Nós vamos deitar a pedra, é o sr. que vai para São Tomé - que é o poço - e no primeiro mês ou dois meses vai aí um movimento de água assim à superfície, que é o sr. a cair na água, mas dentro de dois meses ninguém se lembra que houve um advogado chamado Mário Soares", recordou.
Mário Soares, 83 anos, citou também alguns dos locais que mais frequentou aquando do seu exílio no arquipélago.
"A verdade é que em menos de um ano, o Salazar caiu da cadeira. Teve um hematoma cerebral. E eu estava numa barbearia, que se chamava João Pedro Dias, acompanhado sempre de dois ou três PIDES-DGS, portugueses do continente. Era um local frequentado só por são-tomenses. Eu disse comigo: afinal, vou-me embora (para Portugal) mais cedo do que pensava", comentou o ex-presidente português (1986-1996) e fundador do PS.
Mário Soares referiu que depois disso, passou a ser chamado pelo governador "quase todos os dias".
"Para trocarmos informações sobre o que se passava. Foi uma mudança de 180 graus", disse.
"A minha estadia em São Tomé não tem verdadeiramente história e para mim foi uma coisa grave. A minha família estava cá na altura em que se deu esse acontecimento, porque tratava-se do mês de Setembro e eles tinham vindo para férias. Acabámos por ir embora outra vez, via Angola, que por sinal estava em guerra nesse momento e eu voltei a Portugal", afirmou.
Mário Soares congratulou-se com o facto de São Tomé "ser agora um país independente".
"E o desgraçado que esteve aqui deportado vem agora aqui, é recebido por um ministro dos Negócios Estrangeiros e vai ser recebido pelo Presidente da República, o que é simpático. Isto é prova de que isto mudou. Mudou São Tomé, mudou Portugal e mudou tudo", sublinhou.
Mário Soares chegou quarta-feira à noite a São Tomé para uma visita de 10 dias, e tem agendado para quarta-feira, 2 de Julho, um encontro com o Presidente são-tomense, Fradique de Menezes,
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Lusa - 26.06.2008