É mais fácil dizer que é capaz de ser uma luz o facto de um país doador decidir reduzir o apoio que presta ao país por não se sentir satisfeito com o desempenho do governo em certas áreas previamente acordadas. Mas talvez é um pouco mais complicado gerir as consequências de uma tal decisão sobre os planos de desenvolvimento do país.
De qualquer modo, os próprios países da Europa possivelmente não estariam onde estão hoje se depois da segunda grande guerra não tivessem beneficiado do Plano Marshal que ajudou-os a reconstruir as suas economias.
As relações entre o doador e o recipiente da ajuda são inevitavelmente problemáticas, particularmente quando questões políticas sensíveis entram em jogo, numa situação em que o país receptor da ajuda vê-se obrigado a ter que fazer um realinhamento político interno para garantir que os fluxos da ajuda continuem ininterruptos, e literalmente ter que prestar contas ao doador.
Mas a condição de dependência tem inevitavelmente essa dinâmica por vezes intragável. Ninguém quer que alguém de fora tenha que lhe ditar como é que deve gerir a vida política interna do seu próprio país.
Acontece, porém, que Moçambique é um país altamente dependente da ajuda externa, e possui por isso poucas alternativas de afirmar em pleno a sua soberania.
É por isso que a luta pela soberania económica afigura-se de uma importância crucial como o pressuposto básico para o pleno exercício da soberania política.
É nesse contexto que devem ser interpretados os anúncios que têm estado a ser feitos por alguns países, notavelmente a Suécia, de reduzir ou de manter a sua ajuda aos actuais níveis.
Mas será imprudente concluir que essas decisões são completamente descabidas, ou que constituam actos de ingerência externa nos assuntos internos de Moçambique. Em alguns casos as exigências dos doadores reflectem também algumas preocupações internas que têm sido levantadas pelos vários sectores que constituem a sociedade moçambicana.
Para não falarmos em termos vagos, é preciso notar que questões relacionadas com os procedimentos administrativos no que diz respeito à utilização dos fundos públicos são preocupações que transcendem a visão dos doadores sobre o processo moçambicano.
No passado já fizemos referência à maneira como alguns concursos públicos são realizados, girando invariavelmente em torno dos mesmos actores, enquanto outros agentes económicos continuam acantonados na periferia.
Há uma segunda questão que tem sido insistentemente levantada mas cuja resposta recusa-se a surgir. Trata-se de situações de conflito de interesses envolvendo figuras seniores do governo, em concorrência com outros actores, mas que são eles próprios quem em última instância deve tomar a decisão final.
O conflito de interesses neste caso provoca situações em que o governante, no lugar de concentrar todos os seus esforços na acção governativa, passa a dedicar uma parte considerável do seu tempo e talento a gerir negócios e negociar contratos.
Moçambique pode perfeitamente poupar-se dos embaraços pelo que tem que passar se o governo fazer passar ao nível do parlamento um instrumento legal no qual esteja claramente definido quais são os limites de acção na esfera empresarial que devem ser impostos a figuras ligadas ao governo.
Há uma terceira área cuja importância não pode ser descurada. É a área da justiça, onde a transparência na tramitação de casos e a integridade dos funcionários a ela ligados é de suprema importância. Infelizmente há uma multiplicação de incidentes envolvendo este sector que levam a concluir que o governo está a ficar habituado a dar-se tiros nos pés.
O governo não terá que corresponder às exigências que lhe estão as ser feitas como forma de dar satisfações aos doadores e levá-los a aumentarem os seus pacotes de ajuda.
O governo deve, em primeiro lugar, lealdade ao povo moçambicano, que é quem lhe dá confiança com o seu voto.
SAVANA - 22.08.2008