Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Nas democracias evoluídas fala-se habitualmente em alternância democrática ao movimento saudável e salutar de mudanças partidárias na gestão do poder político. As mudanças de cor políticas, desejáveis e desejadas, são complementadas por mudanças de candidatos, por mudanças de geração, por mudanças de estilos e até mudanças ideológicas no seio da mesma força política.
O que teve que penar o velho “Labour” britânico para afastar o carisma da “Dama de Ferro” conservadora que varreu dogmas e sindicatos do mapa político do seu país. Harold Wilson, se voltasse ao reino dos vivos, teria imensa dificuldade em perceber a “terceira via” blairista como o ideário pós-moderno do novo “Labour”.
Aqui também temos as nossas nuances. Muito do discurso político da campanha que colocou Guebuza no poder era muito mais virado para o reformular de políticas no interior do seu próprio partido do que virado para a oposição. A referência ao “deixa andar” ainda hoje deixa um sector magoado e a lamber as feridas.
Comiche em Maputo parecia não pertencer ao partido do seu antecessor Canana. O seu discurso e o desmontar de situações assemelhavam-se mais aos informais do “Juntos pela Cidade”. E por isso mesmo esvaziou politicamente este movimento de cidadãos que resolveu dar um murro na apatia e no clientelismo que gere grande parte da máquina burocrática da Frelimo.
Comiche tem agora cinco anos de gestão autárquica em cima mas o seu partido parece atacado de uma estranha esquizofrenia. Não se trata de oxigenação da democracia ou da tal alternância e renovação que se fala em ciência política.
Os ressabiados da balalaica e do caciquismo partidário, os que construíram os seus pequenos nichos de poder na especulação de terrenos, na distribuição de favores, na concessão de licenças e alvarás por baixo da mesa, estão descontentes com Comiche.
O “mayor” da capital até de racista é chamado porque o seu elenco, na opinião dos críticos, é demasiado policromático, demasiado apelativo a fantasmas samorianos. Comiche detesta os pobres e o subúrbio por contrapartida ao amor pelo conforto, pelos ricos e pelo cimento.
Há provavelmente outras individualidades, quadros políticos ou competências técnicas capazes de fazer melhor que Comiche. Não duvido e o próprio Comiche será o primeiro a concordar, apesar da sua proverbial e conhecida casmurrice.
Só que 30 anos depois, a capital de Moçambique, dada às mais fantasiosas experiências de comissários políticos, pouco destros em matérias urbanas e afins, tem um edil que é um filho da cidade, preocupa-se verdadeiramente com as suas dores e maleitas e conseguiu os ingredientes para fazer as omeletes que os seus antecessores não conseguiram fazer.
Será que as suas realizações são inimigas da sua sucessão. Ou serão políticas de estratosfera, politiquice barata, a roçar o mesquinho e a mais trivial inveja que atiram Comiche para a viela da intriga e do boato conspirativo no seio do seu próprio partido.
O desiderato é tanto mais caricato quando o “mayor” da cidade se senta na mesma comissão política que é suposta de tratar as grandes questões da nação. Será que essa comissão avalizou provocações anteriores criando cargos para a cidade que aumentaram o erário das mordomias, a confusão dass competências e o desconforto de alguém que, possivelmente, bem poderia ser mais útil que providenciar o triste espectáculo de barata tonta à procura do seu próprio espaço no balcão de atendimento único da capital.
Felizmente para Comiche, a taquicardia e a ansiedade, se não recorreu ao “prozac”, já acabam por volta do fim-de-semana. Quer fique, quer saia da dança das cadeiras pela maçaroca plantada junto à Praça da Independência.
Os munícipes, os que devem ser os alicerces principais nos anseios da autarquia, para já ficam de fora na contenda. Nem sequer compraram bilhete para ir ver o circo.
A maioria, faça sol ou faça chuva, não vota. Nem no pleito da semana, nem no outro, o de Novembro. Porque ainda não perceberam bem do porquê de votar.
Pelo contrário, os que votam esta semana, esses, sabem claramente porque votam.
SAVANA - 22.08.2008