MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Olá meu caro Thomas
Como vais, meu velho amigo?
Do meu lado tudo bem.
Estou-te a escrever por causa da tempestade que está a atravessar o teu país, a África do Sul.
Embora já se estivesse a anunciar, há muito tempo, este choque entre as duas alas dentro do ANC, entre Thabo Mbeki e Jacob Zuma, creio que ninguém imaginava que as coisas chegassem ao ponto a que chegaram agora.
A saída de Mbeki da Presidência da República, a pontapés no rabo dados pelo seu próprio partido, foi uma coisa desagradável que, na minha opinião, podia ter sido evitada.
A acusação principal para a saída de Mbeki foi uma eventual interferência do Presidente sul-africano sobre o aparelho judiciário para que Jacob Zuma fosse condenado por corrupção, assim o impedindo de se tornar Presidente da República.
Só que os métodos utilizados pelos apoiantes de Zuma não se afastaram desse tipo de interferências.
Pelo contrário, as manifestações armadas de adeptos de Zuma nas instalações do tribunal ou as declarações do dirigente da juventude do ANC de que os jovens estavam dispostos a matar por Zuma, são apenas formas mais cruas de interferência que deveriam ter sido totalmente ausentes deste processo.
Se me perguntares qual dos dois dirigentes me é mais simpático, Mbeki ou Zuma, eu tenho que reconhecer que Zuma é o meu preferido, em termos de pessoa.
Mas, quando estamos a falar de alguém que vai ocupar o cargo de principal magistrado da nação, penso que as simpatias pessoais não devem ser demasiado valorizadas. Talvez uma pessoa menos simpática, mas mais eficiente seja uma melhor escolha.
Mbeki cometeu erros enormes: as suas opiniões sobre a SIDA podem ter tido como consequência milhares de mortes. Mesmo o acordo que conseguiu no Zimbábuè parece-me uma coisa demasiado frágil, sem grandes hipóteses de sobrevivência a médio, ou mesmo a curto, prazos.
Mas, por outro lado, a sua política económica fez com que a África do Sul se tenha mantido como uma grande potência regional. Com uma economia sólida e em crescimento.
Já um governo de Jacob Zuma corre o risco de resvalar para caminhos mais politizados e menos tecnicamente correctos numa perspectiva de prosperidade de toda a sociedade sul-africana.
Vais-me dizer que todas essas questões são apenas vossas, aí na África do Sul, e que pessoas como eu nada temos a ver com isso.
Mas eu penso que não é verdade. Tal como os Presidentes dos Estados Unidos e da Rússia deveriam ser eleitos por toda a população mundial, dada a sua fundamental interferência na nossa vida, talvez o Presidente da África do Sul também devesse ser eleito pela população de todos os países da SADC, dado o poder que aquele país possui sobre todos nós.
Resta-nos agora esperar para ver que novos caminhos serão traçados pela nova administração sul-africana.
Como dizem os religiosos, com o credo nos lábios.
Porque, neste tipo de situações, mesmo medidas que possam, à primeira vista, parecer-nos favoráveis, podem, a curto ou médio prazos, virar-se contra nós.
Enquanto Mbeki defendeu que, a respeito da SIDA, se tratava apenas de um problema gerado pela pobreza, a tese de Zuma de que um banho, após uma relação sexual previne o contágio da doença não parece mais científica.
Vocês, os eleitores sul-africanos, vão ter, portanto, que escolher entre duas hipóteses que, no fundo, não serão muito diferentes para o vosso futuro.
Alguns apoiantes de Mbeki têm falado da possibilidade de criarem uma nova formação política.
As recentes declarações de Zuma de que Mbeki continua a ser um respeitado camarada podem ser uma tentativa de evitar uma tal divisão no interior do ANC.
Vamos ver onde tudo isto vai dar...
Um abraço para ti do
Machado da Graça
CORREIO DA MANHÃ - 26.09.2008