Alberto Vaquina, governador da província de Sofala, centro de
Moçambique, esteve recentemente em Portugal. Médico de formação, falou
à revista África 21 sobre as realidades do país.
Leonardo Júnior, revista África 21
Lisboa - Alberto Vaquina, governador da província de Sofala, centro de
Moçambique, esteve recentemente em Portugal. Médico de formação, falou
à revista África 21 sobre aspectos ligados à saúde, educação e as áreas
que contribuem para o crescimento da província que tem a segunda maior
cidade do país, a Beira.
África 21 - A prevalência do VIH/sida é um dos problemas de saúde
mais preocupantes em Moçambique. Como descreve a situação na província
de Sofala?
Alberto Vaquina - Sofala tem uma taxa muito elevada do VIH/sida.
Há um ano tínhamos 26,5 por cento. Agora baixou para 23 por cento.
Ainda é uma taxa muito alta, mas baixou. Uma das classes afectadas é a
profissionalizada. Significa que formamos quadros que depois morrem por
causa do VIH/sida.
O que se tem feito para minimizar o problema?
Tem havido um esforço muito grande de alargar a cobertura do território
de modo a que hoje, só para dar um exemplo, fazemos tratamento
anti-retroviral em todos os distritos da nossa província, havendo
distritos onde temos mais do que um foco de tratamento. Temos centros
de saúde em todas as sedes distritais e em todas as sedes dos postos
administrativos, para além de várias aldeias.
Quais são as principais dificuldades dos serviços de saúde na província de Sofala?
Temos um desafio muito grande na nossa província, tanto na educação
como na saúde, que é a dispersão da população. Há uma grande
dificuldade de conseguirmos reagrupar as populações de modo a que
facilmente coloquemos as infra-estruturas. Estamos a preparar-nos para
ver como reforçar o diálogo com as populações, para resolver a questão
dos reagrupamentos, que facilitariam as coberturas de saúde e da
educação, além de outras infra-estruturas e serviços.
Educação
Outra área importante para o desenvolvimento é a educação. Como está a rede escolar na província?
O governo tem feito um investimento muito grande no sentido de que a
educação chegue cada vez mais às comunidades. Podemos dizer com muita
alegria que, hoje, todos os distritos têm pelo menos uma escola
secundária, e que a absorção de crianças em idade escolar aumentou de
tal forma que poucas crianças ainda não são cobertas pelas
oportunidades que nós temos de ensino, umas públicas outras privadas.
E a formação profissional?
A aposta, ultimamente, tem sido trabalhar muito o ensino técnico, para
que haja mais profissionalização, para que as pessoas aprendam a saber
fazer e vivam num ambiente de empreendedorismo e auto-emprego, ao
contrário daquilo que oferece o ensino secundário comum.
Pode facultar-nos alguns dados sobre a evolução do ensino em Sofala?
Só na cidade da Beira temos cinco escolas de ensino superior. Mas temos
de dizer que precisamos de continuar a apostar na formação da
comunidade. Hoje temos, infelizmente, ainda 47 por cento da população
analfabeta. Mas se compararmos aos 93 por cento que tínhamos em 1975,
facilmente veremos que o caminho que estamos a seguir está correcto. Na
nossa província estamos a desenvolver um programa chamado «Família sem
analfabetismo». É um programa baseado na alfabetização dos adultos
pelos seus próprios filhos. O desafio que fazemos às crianças é: «se tu
já estudaste, os teus pais ajudaram-te a estudar e é bom saber ler e
escrever, porque não ajudares os teus pais?» Acreditamos que, desta
forma, atingimos mais pessoas e poderemos reduzir os índices de
analfabetismo dos 47 para 25 a 35 por cento.
Economia
Beira é a segunda cidade do país e acredita-se que é o motor de
desenvolvimento do centro de Moçambique. Como tem sido o crescimento
económico?
De 2006 a 2007 teve um crescimento de 12 por cento. Se tivéssemos o
porto da Beira com muito mais actividade – e a actividade do porto
aumenta em função de factores como o volume de carga mas também as
capacidades logísticas – o crescimento seria maior. Estou a falar nas
dificuldades que existem no acesso, neste momento, ao porto, por causa
dos problemas do assoreamento. E depois há a questão do volume da carga
em si, que tem a ver com a economia moçambicana e a utilização dos
nossos corredores para as outras economias da região. Neste momento
temos a crise do Zimbabwe, mas também temos situações de desvios
sistemáticos de alguns armadores para portos sul-africanos, desvios que
nem sempre têm a ver com a incapacidade do porto da Beira em receber os
navios. Tem a ver com estratégias que nós desconhecemos, mas que são
reforçadas pelo facto do porto da Beira ter, de vez em quando, problema
de encalhamento de navios. Entendemos que uma maior utilização do
porto, associada à pujança da nossa economia na área da agricultura,
turismo, transportes e comunicações e construção poderiam catapultar a
nossa economia para valores bastante acima dos que hoje estamos a
alcançar.
Como está o sector da pesca?
É uma das mais importantes áreas de catalisação da nossa economia
porque o banco de Sofala é a maior reserva de produtos pesqueiros no
nosso território. O camarão que é pescado no banco de Sofala é o mais
saboroso do mundo, portanto tem mercado. Mas infelizmente, nos últimos
tempos, tem havido uma queda de produção, em consequência, por um lado,
de os estudos mostrarem que começa a haver uma redução do próprio
camarão, mas também de questões relacionadas com problemas de
assistência das empresas, como a crise dos preços dos combustíveis e a
obsolescência do equipamento usado pelos principais armadores de pescas.
Turismo
Mas tem-se dito que o turismo é o petróleo de Moçambique e o Parque
Nacional da Gorongosa (PNG) é, nesse aspecto, uma das grandes reservas
do país.
O turismo é também uma das nossas mais importantes potencialidades. Em
primeiro lugar, podemos falar da beleza global da província inteira e,
depois, a beleza da margem direita e do delta do rio Zambeze, que tem
aquilo que se chama de terras húmidas de importância mundial, assim
como todo o curso do rio Save e de outros rios que são importantes para
o turismo. Ao longo da nossa costa, logo acima da Beira, já se pode
contar com água boa e límpida que concorre com outras praias
moçambicanas. De todas essas potencialidades o PNG é o expoente daquilo
que é a beleza da nossa província. Temos uma riqueza em biodiversidade
vegetal, animal e disponibilidade de recursos complementares,
nomeadamente águas termais, assim como grutas e falésias de
extraordinária beleza. Tudo isso junto, sobretudo a beleza daquela zona
que é o vale do Rift, onde se concentra aquela importante vida animal,
faz com que o nosso PNG seja, neste momento, um dos parques mais ricos
do mundo em termos de biodiversidade.
O que está a ser feito para o desenvolvimento do parque?
Ultimamente foram actualizados os limites do parque de modo a que a
Serra da Gorongosa, que estava fora do parque, também fosse integrada
como unidade autónoma no PNG. Estão neste momento a ser desenvolvidos
esforços pelo governo para acelerar o repovoamento do parque com a
construção de um santuário, que é um local de multiplicação acelerada
de animais, longe dos predadores, e que, progressivamente, vão sendo
libertos, mas também com aquisição de animais em outros parques. Todos
esses esforços correm lado a lado com o esforço enorme no sentido de
evitarmos a caça furtiva e organizamos os camponeses para utilizarem os
recursos que existem. Mas utilizarem-nos de forma a que sejam mais
sustentáveis.
Médico e governador
Alberto Clementino Vaquina é licenciado em medicina pela Universidade
Porto (Portugal), onde se destacou pela sua acção cívica. Foi um activo
dirigente da Associação de Estudantes Moçambicanos em Portugal (AEMOP).
Organizou o primeiro e único Encontro de Estudantes Moçambicanos de
Medicina em Portugal. Concluídos os estudos, regressou a Moçambique,
onde foi trabalhar como médico. Assumiu funções directivas na área da
saúde a nível distrital e provincial. O bom desempenho das tarefas que
lhe foram sendo sucessivamente confiadas, tanto em Nampula como em Cabo
Delgado, acabou por justificar a nomeação, pelo presidente Armando
Guebuza, para governador da província de Sofala.
* Artigo publicado na edição de novembro da revista África 21