Zimbabwe
A dimensão do drama que se vive no vizinho Zimbabwe, originada pelo surto de cólera, em Agosto último, que já matou mais de 700 pessoas, está patente no extracto que segue, de um artigo daautoria de Celia W. Dugger, do New York Times. A tradução é da inteira responsabilidade do Matinal.
Com uma rapidez cruel e desconcertante, a cólera dizimou oscinco membros mais novos da família
Chigudu. Num Sábado recente, as cinco crianças corriam uma atrás da outra através das quase intransitáveis ruas cheias de imundícies repelidas por obsoletos canos de esgoto. Mas antes de dormir, tagarelavam alegremente. A investida da diarréia e vómitos começou por volta da meia-noite.
Freneticamente, os parentes prepararam soluções de água, açúcar e sal, para os mais novos, de 20 meses aos 12 anos, beberem. Pela manhã, estavam abatidos e de olhos encovados. A doença
estava a drenar os fluidos dos seus corpos! «Depois começaram a morrer», disse o irmão das crianças, Lovegot, de 18 anos. «Prisca foi a primeira, a seguir Sammy, depois Shantel, Clopas e Aisha, a mais pequenina».
Uma feroz epidemia de cólera, disseminada pela água contaminada com excrementos humanos, atacou mais de 16 mil pessoas no Zimbabwe, desde Agosto, tendo feito cerca de 780 vítimas mortais. As autoridades da saúde advertem que o número de casos poderá ultrapassar os 60 mil, e que metade dos 12 milhões de habitantes do país poderá estar em risco.
O surto é tão alarmante que os principais serviços públicos zimbabweanos, desde os sistemas de água e sanitários, às escolas e hospitais públicos, estão a encerrar. Muitas escolas, que já foram orgulho de África, produzindo uma população altamente educada, virtualmente deixaram de funcionar, já que os professores, cujos salários já não cobrem sequer o custo de um bilhete de autocarro para o trabalho, optaram abertamente pela desistência.
Com milhões de pessoas em situação de fome cada vez mais acentuada, e a cólera a extravasar para os países vizinhos, aumentam os apelos internacionais para Mugabe resignar, mas este opta apenas por se agarrar ao poder que detém há 28 anos, tendo chegado mesmo a declarar, na quinta-feira, que a epidemia da cólera tinha terminado, precisamente um dia depois de a Organização Mundial da Saúde ter alertado que o surto era suficientemente grave para colocar «graves implicações regionais».
Os cortes de água são frequentes e prolongados no país, e na semana passada quase todas as torneiras secaram em todos os densamente povoados subúrbios da capital Harare, onde a água tratada é essencial para as pessoas lavem as mãos e alimentos, medidas importantes para prevenir a cólera. Nas esburacadas ruas “convivem” crianças fora da escola, adultos desempregados e montes de lixo não recolhido. Nos dois maiores hospitais da capital, que em
tempos poderiam, numa crise idêntica, facultar sofisticados serviços de saúde, fecharam as portas há semanas, depois de médicos e enfermeiros terem, pura e simplesmente, deixado de ir trabalhar,
face à inutilidade dos seus salários, derivada da hiperinflação que grassa no país.
Soldados revoltam-se
A situação deteriorou-se de tal maneira que os soldados, permanente suporte de Mugabe, manifestaram-se semana passada nas ruas de Harare, quebrando montras e saqueando lojas,
após terem passado dias aguardando nas filas que se formam nos bancos, sem conseguir levantar os seus magros salários nos balcões a braços com escassez de dinheiro vivo. Um oficial de média patente que participou no motim, mas que declinou identificar-se por temer represálias, disse que os militares estavam enfurecidos pelo facto de já não poderem comprar comida ou mandar os filhos à escola. «Agora que estamos a falar, os filhos dos chefes estão em escolas privadas a estudar, enquanto os nossos brincam nas ruas sujas», disse, visivelmente amargurado e utilizando um termo local para figuras do poder.
Circularam rumores sobre este “anormal” descontentamento no seio do exército, com especulações de que a manifestação destinava-se a justificar a imposição de um eventual estado de emergência. Outros alimentam a esperança de que finalmente a revolta marca o início do fim de Robert Mugabe!
MATINAL – 12.12.2008