MARCO DO CORREIO
Por Machado da Graça
Meu caro Antunes Há muito que não te escrevo. Como estás, meu amigo, e a tua família? Do meu lado tudo bem, felizmente. Escrevo-te hoje por causa de mais esta cimeira sobre o Zimbabué, onde as notícias que vão saindo são cada vez mais desencontradas. No final do encontro a SADC mostrava-se satisfeita dizendo que o impasse tinha sido quebrado e apresentava um calendário dos próximos acontecimentos. Mas, logo a seguir, o MDC, de Morgan Tsvangirai, apareceu a deitar muita água nessa fervura, dizendo que não era bem assim, que não tinha acordado nada em tomar posse no Governo e criticando a SADC por não ter conseguido fazer melhor do que tinha feito Thabo Mbeki. Até onde eu percebo as coisas, as longuíssimas horas que durou a cimeira serviram, essencialmente, para pressionar o MDC a aceitar que Tsvangirai tome posse como Primeiro-Ministro sem serem, previamente, aceites as suas exigências a respeito do controlo dos ministérios mais importantes e da nomeação de outros cargos governamentais essenciais para uma boa governação. Em contrapartida a ZANU terá cedido no aspecto da alteração da Constituição para passar a definir claramente os poderes do Presidente da República e os do Primeiro-Ministro. Este aspecto é importante na medida em que, sem os votos dos deputados da ZANU no Parlamento, a emenda da Constituição não é possível. Mas tudo isto parece muito frágil, muito colado com cuspo. A SADC parece cheia de pressa de se retirar do problema, deixando uma qualquer solução em vigor, boa ou má. Depois os zimbabueanos que se amanhem lá entre eles. Mas o mesmo aconteceu com Thabo Mbeki, em Setembro passado, e vimos que aquilo não levou a lado nenhum. E, caso seja formado o Governo, mantendo Mugabe o controlo das forças de defesa e segurança, as probabilidades de fracasso são muitas mais do que as de sucesso. A SADC está com enormes dificuldades em aceitar a saída da cena política zimbabueana de Mugabe, antigo companheiro de luta de alguns dos seus dirigentes. E, com os rabos presos no passado, são incapazes de olhar para a realidade do presente e para as verdadeiras atrocidades que o velho ditador está a fazer ao seu povo. Num momento em que as igrejas, os movimentos cívicos e até personalidades de enorme prestígio, como Graça Machel, declaram, alto e bom som, que a melhor solução é a saída de Mugabe, fica também difícil dizer que todas essas entidades estão a soldo do Ocidente, da Grã-Bretanhe e dos Estados Unidos. Fica a teimosia surda, calada mas presente e activa, em apoio ao decrépito comrade. Só que, enquanto esse apoio surdo permanece, mais e mais zimbabueanos vão morrendo de cólera e de outras doenças curáveis, vão mergulhando na miséria, vão sendo presos e torturados pela Polícia do regime. Graça Machel não mastigou as palavras ao atribuir a responsabilidade dessas desgraças todas aos dirigentes da SADC pelo seu compadrio com o regime ilegítimo de Mugabe. E, já agora, gostaria de colocar uma pergunta: Quando se fala da SADC, neste contexto, só se ouve falar de dois ou três países (África do Sul, Moçambique, Botsuana...). Qual é o papel dos outros todos? O que pensam os mauricianos, os malgaches, toda essa dezena de países que formam a organização para além dos citados? Estão lá só para fazer figura de corpo presente? Lamento dizer-te, amigo Antunes, que não creio que esta cimeira tenha sido o fim do inferno em que o povo do Zimbabué está mergulhado. Como dizia alguém aqui há tempos, quando será que alguém o liberta dos seus libertadores? Um abraço para ti do Machado da Graça